O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Demóstones Torres, adiantou ao Congresso em Foco as explicações que dará aos ministros. Ele criticou Cezar Peluso: “O que ele fez foi um arremedo de decisão”
Pedido de vistas de Toffoli adiou julgamento de Roriz e da ficha limpa. Senado promete, porém, esclarecer as dúvidas do ministro |
O Senado não quis alterar o mérito da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10), adiando o seu período de vigência. Quem garante isso é exatamente quem fez a alteração na lei. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender o julgamento do recurso extraordinário do candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC) por conta justamente de uma dúvida quanto à alteração que foi feita, o Senado resolveu preparar uma defesa da lei que proíbe a candidatura de pessoas com problemas na Justiça para esclarecer aos ministros o que foi feito. O relator do projeto que gerou a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) na Casa, Demóstenes Torres (DEM-GO), vai enviar nesta quinta-feira (23) aos dez ministros da corte um ofício explicando como ocorreu a mudança de tempo verbal que levou à dúvida do presidente do STF, Cezar Peluso, e ao pedido de vistas do ministro Antonio Dias Toffolli. A expectativa de Demóstones é de que que os esclarecimentos que ele enviará convençam os integrantes do Supremo que não houve mudança no mérito, apenas uma adequação redacional.
Os ofícios serão enviados por Demóstenes por ser presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele adiantou ao Congresso em Foco que o principal argumento usado, a ser enviado aos ministros, reside na Lei Complementar 95/98. A norma estabelece como será a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. O artigo 11 da regra prevê que as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica. A alínea “d” do dispositivo determina que é preciso “buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente”.
Ao site, ele retrucou a declaração de Peluso dada ontem durante a sessão do Supremo. O presidente da corte chamou a ficha limpa de “arremedo de lei”. Demóstenes afirmou que o argumento usado pelo ministro é um “arremedo de decisão”, que demonstra “desconhecimento” do efeito das alterações feitas ao texto. “É um arremedo de decisão. Eu tenho certeza de que o ministro Peluso, até porque é um homem esclarecido, inteligente, vai retirar a questão de ordem. Aí, eles vão passar a discutir a constitucionalidade da lei”, opinou.
O presidente do STF questionou a emenda elaborada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que mudou o tempo verbal de algumas partes da ficha limpa. Ele entendeu que as modificações não eram apenas para alterar algum vício de liguagem. Na visão de Peluso, o projeto deveria ter voltado à Câmara para análise da mudança, e não ter seguido para sanção presidencial. A emenda substituiu a expressão “tenham sido [condenados]” para “os que forem condenados”.
“Ele [Peluso] não leu o projeto, está totalmente equivocado. Tenho muito respeito por ele, que é um gênio da área jurídica e tem uma trajetória brilhante no Judiciário, mas nessa questão, infelizmente, ele não leu o que chegou da Câmara e não acompanhou a tramitação no Senado”, ponderou Demóstenes. O senador recordou que, até o momento, o Supremo considerou constitucionais todas as alterações operadas na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90, atualizada pela ficha limpa). Demóstenes acredita que a corte não levará em conta as alegações da defesa de Roriz no que diz respeito à presunção de inocência ou ao caráter da anualidade.
Quatro tempos verbais
Presidente da CCJ, Demóstenes acredita que a menção à Lei Complementar 95/98 levará a maioria dos ministros do STF a rejeitar o recurso de Roriz. Ele lembra que o texto proveniente da Câmara continha quatro tempos verbais na argumentação de aplicação da lei, o que requereu a alteração de uniformização. “O que fizemos, até para que o ministro Peluso não ficasse maluco ao julgá-la, foi uniformizar o tempo verbal. Aliás, como a gente faz em toda e qualquer lei”, explicou o senador goiano, acrescentando que alteração por emenda de redação não implica retorno do projeto à Casa de origem.
Este não é o único problema no argumento de Peluso. Especialistas apontam outro problema. Ao classificar a Lei da Ficha Limpa como inconstitucional por vício de origem, o presidente do STF puxou para a discussão um assunto que não está presente no recurso extraordinário de Roriz. Dentro do plenário, ficou a dúvida se é possível analisar outras questões em um processo deste tipo. Parte da corte acredita que não. Somente em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) é que os ministros estariam livres para ir além do questionado inicialmente.
Outra parte, no entanto, defende que existem casos no Supremo de leis declaradas inconstitucionais com base em recursos. Ao final da discussão, instantes antes de o ministro José Dias Toffoli pedir vista do processo, Peluso afirmou que cada um votaria do jeito que quisesse. Marco Aurélio Mello chegou a afirmar que os colegas estavam complicando o julgamento. Com o retorno do voto vista hoje, esta questão deve ser pacificada.
“Acho que foi uma visão equivocada e que será superada pelos demais ministros”, afirmou o coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), juiz Marlon Reis. Na opinião dele, a questão da mudança do tempo verbal foi superada quando a matéria foi sancionada pela Presidência da República e, depois, confirmada pelo TSE. Reis ainda acrescentou que a defesa de Roriz não citou isso em qualquer momento do julgamento – do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) ao STF –, o que comprova, para o magistrado, que a tese está pacificada.
“A defesa que o ministro está fazendo não é da Constituição, mas sim do regimento interno do Senado”, comentou o coordenador do MCCE. Para Marlon Reis, existe uma interpretação equivocada do que diz o regimento interno do Senado. Como a emenda não modificou o mérito do projeto, no entendimento do magistrado, não precisava voltar à Câmara para uma análise do seu novo texto. “Se houve uma afronta, o que não houve, seria ao regimento do Senado. Não tem como declarar a lei inconstitucional”, disse.
Frustração
“O estabelecimento de novos critérios não fere a presunção de inocência”, emendou o senador, lembrando que a Lei da Ficha Limpa não versa sobre questões da área penal, mas se refere aos critérios e condições de elegibilidade. Mas Demóstenes preferiu não se manifestar sobre uma eventual vitória de Roriz no STF e, consequentemente, na disputa ao GDF. “Não posso imaginar o contrário [o registro de candidatura de Roriz], até porque eu redigi a lei.”
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Gabriel Wedy, a decisão de Peluso também está equivocada. “Na verdade, o que houve foi uma alteração redacional, que não mudou o sentido da norma”, disse, lamentando a postergação de um resultado que teria sido anunciado ontem. “Poderia ter sido evitada essa perda de tempo.”
Na mesma linha de pensamento opinou o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, para quem a decisão de Peluso “causa frustração”. “Não esperávamos esse questionamento. Isso não estava no recurso, não foi invocado pela defesa. Pegou todos de surpresa, e causa frustração”, emendou Mozart, para quem não houve modificação de mérito no Senado. “Acho que a Lei está perfeita. Essa questão não pode ser discutida de ofício pelo STF. Ela [a alegação de Peluso] vai retardar a conclusão do julgamento. E, retardando, é um fator complicador”, completou o magistrado, confiante na aplicação da Lei para Roriz.
Já o advogado de Joaquim Roriz, Pedro Gordilho, festejou o andamento do processo. “O ministro Peluso trouxe um fato novo, um fundamento poderoso que envolve o chamado vício formal do processo legislativo. É um argumento muito consistente, muito lúcido. Se esse vício formal for, de fato, reconhecido, a Lei não terá validade e o processo legislativo deverá ser recomposto”, disse Gordilho, que diz confiar que a linha de defesa apresentada ao TSE deverá prevalecer.
Confiante
Em um primeiro momento, porém, o adiamento do julgamento causa prejuízos à campanha de Roriz no Distrito Federal. Até amanhã, ele permanece com sua situação sub júdice. Está com registro de candidatura indeferido com base na Lei da Ficha Limpa, mas pode fazer atividades de campanha. Caso o Supremo aceite seu recurso, Roriz perdeu um dia na busca para recuperar os votos que perdeu para Agnelo Queiroz (PT) nas pesquisas de opinião. Da mesma forma, se os ministros negarem seu recurso, ele corre contra o tempo para escolher um substituto. Ontem, o TRE-DF começou a lacrar as urnas eletrônicas. Depois que a urna for lacrada, não será mais possível mudar na urna o nome e a foto dos candidatos.
“Logo depois que ele foi barrado pelo TER, começou a cair nas pesquisas. Caiu ainda mais quando foi barrado pelo TSE. Até chegar a um ponto onde Agnelo está próximo de vencer no primeiro turno”, opinou o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB). O especialista tem dúvidas se o tempo até as eleições – 11 dias – são suficientes para o ex-governador virar o jogo eleitoral.
Petistas do DF ouvidos pelo site consideram que, com o adiamento da decisão, a campanha de Agnelo é beneficiada em um primeiro momento. Porém, entendem que a discussão, neste momento, é maior do que a candidatura de Roriz. “A indefinição do Supremo mantém a instabilidade no pleito. É ruim para a candidatura de Roriz, mas pior para toda a eleição”, afirmou o líder do PT na Câmara Legislativa, Paulo Tadeu. Ele considera que, se o STF considerar inconstitucional, ou entender que a ficha limpa só deva ser aplicada em 2012, a corte irá de encontro aos desejos da sociedade.
Segundo o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), candidato ao Senado na chapa de Roriz, “não existe absolutamente nenhuma acusação contra ele”. Recentemente, o ex-governador foi condenado a devolver dinheiro aos cofres públicos por conta da compra irregular de um helicóptero para o Corpo de Bombeiros. O parlamentar, que esteve com o candidato ao GDF ontem à noite, relatou que ele estava “muito tranquilo” depois do julgamento e confiante em decisão favorável.
Para o parlamentar, Roriz perdeu pontos percentuais nas mais recentes pesquisas de opinião justamente devido ao fato de que os tribunais, com base na ficha limpa, barraram sua candidatura. “Ele não perdeu, mas deixou de ter eleitores, que ficaram indecisos sobre a questão”, analisou. Na visão dele, o clamor da sociedade influenciou decisões dos tribunais regionais eleitorais (TREs) e o próprio Tribunal Superior Eleitoral. “É verdade que há um clamor público muito forte, e aí o TSE e os TREs tiveram um entendimento diferente em relação à anualidade.”
Fonte: Congressoemfoco