Dora Kramer
No início de maio, quando deputados governistas e oposicionistas, imbuídos de aguda firmeza demagógica, aprovaram reajustes para aposentadorias acima de valores aceitáveis e acabaram com o fator previdenciário, o governo deu um aviso aos navegantes da nação Brasil.
“Ao contrário de outros governos”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o presidente Luiz Inácio da Silva não se deixaria contaminar pelo clima eleitoral.
Aproveitou para ser mais específico. Disse que, se o Senado confirmasse a votação da Câmara, o presidente não faria como o antecessor, Fernando Henrique, não deixaria a inflação subir nem o câmbio explodir e por aí discorreu a fim de deixar patentes as diferenças e explicar que, para Lula, governo é uma coisa, eleição é outra muito diferente.
Os ministros da área econômica, Planejamento e Fazenda, passaram a recomendar todos os dias o veto presidencial. Ao reajuste de 7,7% aprovado e ao fim do fator previdenciário.
Cerca de duas semanas depois, o Senado confirmou o resultado: mantido o fim do fator, o reajuste muito acima dos 6,14% propostos pelo governo e até dos 7% sugeridos em acordo.
Estava nítida a intenção dos parlamentares: transferir o ônus do veto ao presidente. Do ponto de vista do Congresso, não resta dúvida, uma irresponsabilidade. Para não dizer molecagem.
Mas há que se considerar o seguinte: o governo tem maioria no Parlamento, caberia a ele articular essa vantagem e administrá-la a seu favor.
Nesta altura, já no fim do segundo mandato, é de se perguntar de que vale a posse de tamanha “base” de mais de dez partidos se numa votação crucial como essa o governo não pode contar com ela.
Contudo, o mal estava feito e pela posição manifestada pelo governo não haveria dificuldade no manejo da situação. O próprio presidente Lula depois de definido o jogo no Congresso reclamou de público e, durante o encerramento da Marcha dos Prefeitos em Brasília, pôs em dúvida se aquele tipo de demagogia renderia benefícios eleitorais aos políticos.
“Tem gente que acha que ganha voto com isso quando, na verdade, se o povo compreender o que significa isso, essas pessoas podem até não ganhar o tanto de votos que esperam ganhar.”
Recapitulando: o governo apresentou uma proposta de reajuste que era o que as contas públicas suportavam. O Congresso exorbitou. A área econômica alegou que a Previdência não suporta a exorbitância. O ministro da área política garantiu que a eleição não influenciaria a decisão do presidente.
Portanto, em princípio não haveria razão para dilemas. Se o que foi dito correspondesse ao que se pretendesse fazer, Lula já teria vetado o reajuste e o fator previdenciário sem enfeites.
Há prazo até o próximo dia 15 para uma solução. Não é esse o problema. É só uma questão de adaptação à maneira de se apresentar as coisas.
Primeiro foi o tempo de “marcar” o discurso da responsabilidade e de os ministros Paulo Bernardo e Guido Mantega assumirem a parte árida da história: cortes, vetos, números, austeridade.
Logo adiante virá o tempo de Lula fazer a política da bondade.
Não é pecado, mas é truque. Porque é falso que o reajuste dos aposentados não esteja sendo tratado à luz da eleição presidencial.
Na realidade, ela é a demanda principal.
Dois gumes
Na última quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o fim do voto secreto nas sessões de votações de cassação de mandatos de parlamentares.
De um lado é defensável porque torna o processo transparente: o cidadão fica sabendo quem votou ou deixou de votar na cassação de quem e passa a entender melhor as razões de muitas absolvições.
De outro, há a realidade do “vício insanável da amizade”, que no voto aberto pode acabar inibindo a manifestação ou incentivando “trocas” corporativistas.
De qualquer modo o assunto não é tão simples. Como conceito, o voto aberto obviamente é o mais correto. Como prática é de se conferir. Inclusive se suas excelências deixarão passar a emenda quando chegar no plenário.
Fonte: Gazeta do Povo