Coincidências unem ministros caçados e jornalista caçador
Ministros das Cidades e do Trabalho e redator chefe da revista Veja cumprem roteiro repleto de igualdades em suas tentativas de manter o poder em estruturas ricas em vantagens pessoais, destaque social e influência política; mas sairão abalados e enfraquecidos de seus cargos
Marco Damiani_247 – Uma lágrima, uma lorota, um tiro. Nos últimos dias, três personagens do estamento do poder no Brasil esticaram em praça pública, cada um a seu modo, as fronteiras de até onde se pode descer na tentativa de permanecer, mesmo ao custo do ridículo, em cargos repletos de vantagens pessoais, destaque social e influência política, consumando um surpreendente e degradante topa tudo para ficar.
Na sexta-feira 25, o ministro das Cidades, Mario Negromonte, deu sua contribuição a esse espetáculo, na esfera pública, ao choramingar diante das câmeras durante homenagem que lhe foi feita por um pequeno grupo de privilegiados pela obscura distribuição de verbas milionárias de sua pasta. Brilhante pelo mutismo, ele ficou com os olhos marejados para expressar o quanto lhe é importante manter sua posição. Pouco antes, com a mesma intenção de manter-se acima de uma rica estrutura que possui e concede inúmeras mordomias, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, postou-se nas ameias da ameaça, primeiro, quando disse que só sairia dali a bala, e do amor, logo após, ao pronunciar o famoso "Dilma, eu te amo", em defesa de seu castelo. No edifício da iniciativa privada, Mario Sabino, o redator chefe da revista Veja de mais de um milhão de exemplares de circulação, jogou com as fichas do lobby pessoal, da dissimulação e da franca mentira para ganhar sobrevida no alto do expediente da publicação. Uma aposta do tipo tudo ou nada e, portanto, de prêmio gordo. Como é voz corrente nas baias daquela redação, afinal, governadores do Estado existem 27 e hoje há quase 40 ministros de Estado, mas redator chefe de Veja, com poderes para disparar a torto e à direita (mais pela direita, admita-se), agora e sempre, só tem um.
Políticos que deblateram por seus cargos existem aos montes. Jornalistas aferrados a seus nichos profissionais, também. Nunca antes, porém, as coincidências do tempo, no espaço e no jeito de agir para um mesmo fim foram tão grandes. Negromonte, Lupi e Sabino, pontue-se, prosseguem, neste momento, exatamente onde estavam antes de o show começar. Os dois primeiros estão ministros, o terceiro ainda é o número 2 do magazine. Janeiro tão próximo, no entanto, é a mesma data marcada por seus líderes para que saiam na varredura que se convencionou chamar de faxina ética. Mais e menos famosos diante da sociedade, quando o espetáculo estava na fase de ensaios, eles alcançaram um mesmo patamar de projeção nacional ao encenarem os roteiros que eles próprios escreveram.
O caso dos três poderosos é, com efeito, intrigante. Expostos como figuras proeminentes da banda ministerial alvejada por denúncias de malversação de verbas e corrupção escarrada, Negromonte e Lupi piscavam como alvos latejantes no radar da máquina de guerra ao malfeito comandada por Sabino no pavimento mais poderoso do NEA, o Novo Edifício Abril (acima dele, o Diretor de Redação Eurípedes Alcântara sempre foi mais afeito a temas mais lights como o melhor do circuito gastronômico ou onde passar suas férias inesquecíveis). Uma após a outra, todas as semanas, o dedo estirado do redator chefe apertava os botões vermelhos que disparavam morteiros quase sempre endereçados a Brasília, com munição leve e pesada que se traduzia em denúncias comprovadas e lições de bom comportamento. Mas que também derivaram para a extrapolação das funções do jornalista e da utilização das páginas amarelas da brochura para a retribuição de favores. No primeiro caso, Sabino comandou uma operação que terminou numa delegacia de polícia, quando um de seus repórteres, por imperícia, ingenuidade ou, forçoso imaginar é, má fé, tentou invadir o apartamento que servia de moradia ao ex-ministro José Dirceu no hotel Naoum à cata de um furo sensacional. Foi pilhado como invasor de propriedade alheia. Logo depois, em inequívoca confirmação da maldição do poder que sobe à cabeça, o próprio Sabino rebaixou o alto padrão da seção de entrevistas da revista ao dar espaço para um entediante ping-pong do advogado Roberto Podval, cuja maior credencial para estar ali foi sonegada ao público leitor: anfitrião do redator chefe numa festança comme il fault na idílica ilha de Capri.
Com uma convivência, nos últimos tempos, cada vez menos harmoniosa com seu chefe Eurípedes, Sabino não resistiu aos efeitos das duas barbeiragens, que só fizeram crescer a pilha do contencioso entre ambos. Cônscios, entretanto, do valor da discrição no distrato de uma parceria de quase dez anos, exercida numa das vitrines mais vistosas da mídia brasileira, ambos combinaram o seguinte: quando janeiro chegar, com direito a uma laudatória Carta ao Leitor e em coincidência aos proclames de lançamento do segundo livro de Sabino, o anúncio da saída de Sabino para um cargo de sócio na empresa de comunicação corporativa Companhia de Notícias seria feito sob o espoucar de rojões comemorativos. Só que a maionese venceu.
A notícia da ida de Sabino para a CDN – ainda que ainda não efetivada pela organização – vazou. O jornalista Luís Nassif, na quinta-feira 24, a publicou em seu blog. 247, a seguir, obteve uma confirmação e subiu para a manchete: Cai Redator Chefe de Veja. A reverberação na internet refletiu-se como tremor na mesa da jornalista Mônica Bergamo, titular de uma das colunas de maior prestígio da imprensa brasileira, que leva o seu nome na Folha De S. Paulo. Veloz, ela redigiu uma nota dando conta do fato. Preocupados com o barulho que ser produzia na net, Sabino e também Eurípedes esticaram suas antenas para monitorar o que poderia desaguar nos jornais. Ainda parece fácil, para eles, passar olimpicamente por cima do mundo virtual (agora menos, é certo). Egressos da geração do couché, porém, medraram diante da possibilidade de antecipação do plano perfeito em tinta sobre papel jornal.
Sabino foi o primeiro a ligar para Mônica Bergamo. Queria saber se a nota iria sair. Com o sim, e como Pedro, negou três vezes. O melhor da relação entre colegas foi chutado por ele para escanteio, com a reafirmação, frente as perguntas da jornalista, de que tudo não passava de espuma. Estava, ficava, continuava em Veja, jurou. O telefone da coluna, infelizmente para ele, tocou de novo, em seguida. Era Eurípedes – e a conversa, então, se deu entre velhos amigos, que formaram juntos, anos atrás, na mesma redação de Veja. Ao saber o que já desconfiava fortemente – que a nota iria, sim, sair --, o Diretor de Redação, friamente, sentou-se diante de seu computador e resolveu dinamitar o arranjo que, àquela altura, virara o segredinho mais escancarado da mídia. Com requintes de crueldade, batucou poucas linhas que excluíram, ao seu juízo, Sabino não apenas do cargo de redator chefe, mas da profissão!!! É exatamente o está escrito e reescrito, uma, duas, três vezes, na cartinha que ele escreveu à redação:
Nota do diretor à redação
Meus caros,
antes que prevaleçam a maledicência e a desinformação, matérias-primas dos bucaneiros da internet, gostaria de esclarecer o que existe de factual sobre a decisão do Mario Sabino de deixar o jornalismo e, como consequência, seu cargo de redator chefe de VEJA. Havia um ano eu tentava dissuadir o Mario da determinação de deixar a profissão. Ele argumentava que o exercício do jornalismo já não lhe proporcionava a mesma satisfação. Embora eu apontasse que ele continuava a desempenhar suas atribuições com a responsabilidade, brilhantismo, ousadia e originalidade de sempre, Mario foi consolidando sua decisão de mudar de rumos profissionais.
Na semana passada, finalmente, Mario Sabino me procurou para dizer que seguiria mesmo outro caminho.
A decisão do Mario representa uma grande perda – para nós da redação de VEJA e para o jornalismo. Ele esteve ao meu lado durante quase oito anos, no cargo que ainda exercerá até o início do próximo ano, sempre como a melhor companhia que um diretor de redação pode ter na trincheira do jornalismo rigoroso e independente. Perco o convívio de um amigo, mas não a sua amizade. Fica conosco sua lição de profissionalismo intenso e de apego exacerbado à busca da verdade, para ele mais do que uma simples virtude, uma razão de vida. Sob essa ótica, farei e anunciarei nas próximas semanas as mudanças que a decisão do Mario acarreta.
Eurípedes Alcântara
Diretor de Redação
Neste epitáfio, antes que os alvos Negromonte e Lupi, entre os três poderosos assemelhados Sabino, o franco-atirador, foi o primeiro a ter seu destino explicitamente traçado. Que história!
Fonte:/www.bahia247.com.br
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