
Vance provocou Kelensky e causou a briga no Salão Oval
Mario Sabino
Metrópoles
Houve outro protagonista doméstico no espetáculo deprimente a que assistimos no puxadinho do Kremlin, antigamente conhecido como Salão Oval da Casa Branca: o vice-presidente americano J.D.Vance.
Na armadilha explosiva montada para desestabilizar e humilhar Volodymyr Zelensky, foi ele a acionar o mecanismo detonador com a sua intromissão calculadamente descabida sobre o presidente ucraniano ser desrespeitoso e ingrato com Donald Trump.
UM JOVEM VELHO – Sujeito perigoso no presente e na projeção de futuro, esse Vance. É um jovem com ideias velhas: pensa que o mundo pode retornar ao imperialismo do século XIX, pré-multilateralismo.
Hoje com 40 anos, poderá ser o sucessor de Donald Trump, caso purgue suficientemente o pecado de ter sido oponente circunstancial do seu atual patrão no Partido Republicano, antes de aderir ao trumpismo, o seu destino manifesto.
O vice-presidente americano tem a mesma concepção de política internacional de Vladimir Putin, a quem admira incondicionalmente e, ao que parece até o momento, do qual não recebeu contrapartidas financeiras, ao contrário de Donald Trump, acusado de lavar dinheiro para a oligarquia mafiosa russa desde há muito, o que o teria salvado da bancarrota em Nova York.
ESTILO PUTIN – A concepção de política internacional de Vladimir Putin, eu ia dizendo, equivale à não política da abolição dos códigos civilizados da diplomacia, do cancelamento das normas do direito internacional, do desprezo pelo sistema de alianças ocidental e pelo multilateralismo.
Tudo substituído pelo porrete imperialista do século XIX, aquele mesmo que levou o mundo às duas guerras mundiais no século seguinte.
Pode-se dizer que Vance é produto bem-acabado da guerra híbrida que Vladimir Putin vem promovendo contra o Ocidente inimigo há quase 20 anos.
REACIONARISMO – O ditador russo conseguiu inocular no conservadorismo americano e europeu o vírus do reacionarismo contra os valores democráticos sobre o qual se ergueu uma civilização extraordinária — e contou, para tanto, com a colaboração inestimável de uma esquerda sem limites na sua agenda progressista de desconstrução social, moral e cultural.
Temos, então, um Vance. Desde antes de ser senador pelo estado de Ohio, ele se opõe à ajuda militar à Ucrânia. Em entrevista ao delinquente Steve Bannon, no programa War Room, quando ainda era candidato ao Senado, ele foi de uma claridade ofuscante: “Para ser honesto com você, não me importa o que acontece na Ucrânia”.
Não há coincidências. O programa de Steve Bannon é veiculado na Real America’s Voice, canal do jornalista Brian Glenn, que fez o serviço sujo de perguntar a Zelensky por que ele não usou terno para ir à Casa Branca, dog whistle para os trumpistas na rede X, do companheiro Elon Musk.
DISSE VANCE – Veterano da guerra no Iraque, Vance nunca escondeu a sua rejeição ao papel dos Estados Unidos de defensor da democracia no planeta. “Há muitas democracias no mundo, e não pode ser nosso problema toda vez que uma delas entra em guerra”, disse à Associated Press, em 2022, quando Vladimir Putin achou estar pronto para varrer a Ucrânia do mapa, anexando o seu inteiro território.
Armado de convicções feitas sob medida para as suas ambições desmedidas, Vance se ressentia de estar à sombra de Elon Musk, a quem ninguém estranhamente faz recriminações de ordem indumentária, e decidiu reagir, atraindo para si os holofotes, como no encontro com Zelensky, na sexta-feira, ao despir-se de qualquer vergonha para funcionar como agente provocador.
Antes disso, em meados de fevereiro, o vice-presidente americano já havia usado o palco da Conferência de Segurança de Munique para dar lição de democracia à Europa.
CRÍTICAS À EUROPA – Vance disse que o maior risco para os europeus não eram a Rússia ou China, mas a erosão dos valores democráticos no continente, acusando os diversos governos e a Comissão Europeia de reprimir a liberdade de expressão e de voto, além de praticar bullying contra empresas americanas.
A esquerda ocidental é, de fato, uma colaboradora inestimável de gente como Vance, que usa discursos certos para fazer coisas erradas e justificar o injustificável.
Na última conferência dos conservadores americanos, em Maryland, a grande maioria dos participantes apontou o vice de Donald Trump como o seu sucessor desejável. Seria o agravamento de um pesadelo para o Ocidente. Se a Otan, a aliança militar ocidental, conseguir resistir a Trump, um oportunista, não resta dúvida de que sucumbirá a Vance, um convicto, para a alegria do ditador Vladimir Putin, se o diabo não o levar para o inferno antes disso.