Salles, considerado um dos melhores cineastas do mundo
Josias de Souza
do UOL
O Brasil ama a si mesmo. Mas nem sempre é correspondido. Com o Oscar de melhor filme internacional, “Ainda Estou Aqui” devolveu momentaneamente ao país a sensação de sorrir diante do espelho. Há dignidade na imagem. Walter Salles conseguiu extrair alegria dos escombros da ditadura militar. Obteve a proeza porque fez cinema, não um panfleto.
O filme rodado a partir do livro de Marcelo Rubens Paiva conta a história de Eunice Paiva, uma viúva que ralou para criar os filhos depois que a estupidez do arbítrio invadiu sua casa, sumiu com seu marido e dilacerou a rotina de sua família. O enredo em que uma mãe se arma de amor para enfrentar os violadores do seu lar emociona em qualquer parte do mundo.
SURTO DE ORGULHO – Pesquisa do Ipec divulgada dias atrás revelou que a presença do Brasil no Oscar produziu um surto de orgulho. O sentimento de prazer furou as bolhas ideológicas. Foi compartilhado por 80% dos eleitores de Lula e 62% dos que votaram em Bolsonaro. Ganhou as ruas no domingo de carnaval. Surgiu em Olinda a boneca de Fernanda Torres. Milhares de foliãs fantasiaram-se com a máscara da atriz.
Walter Salles disse tudo quando realçou em entrevista pós-premiação que “vivemos um momento em que a memória está sendo apagada como um projeto de poder”, disse ele. “Então, criar memória é extremamente importante.”
FALTA DE MEMÓRIA – De fato, ninguém que confia na falta de memória do brasileiro costuma se arrepender. Por isso o passado está tão entranhado no presente de um Brasil em que o debate sobre a anistia de uma tentativa de golpe vem antes da condenação dos protagonistas.
A vitória do Oscar fez o país lembrar que o amor-próprio ainda está aqui. Explodiu nas ruas uma alegria que a política sonega aos brasileiros.
Com sorte, a fantasia do carnaval de 2026 será um uniforme de presidiário.