Ideia dos líderes do poder é obrigar o governo eleito a renegociar mais adiante
Por Vinicius Torres Freire
Os líderes do grupo no poder no Congresso dizem que a votação da "PEC da Transição" vai ser negociada segundo dois critérios: 1) "Uma mão lava a outra"; 2) Manter o poder de barganha.
A "mão que lava a outra": Luiz Inácio Lula da Silva dá apoio explícito ou velado à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (União Brasil-MG) para o comando de Câmara e Senado, respectivamente; a "PEC da Transição" passa.
"Poder de barganha": o Congresso aprova o gasto extraordinário, além do previsto no projeto de Orçamento para 2023. Para os demais anos, a ver.
Vários parlamentares dizem que, além de manter o poder de barganha e de pressão sobre o governo, aprovar agora gasto extraordinário apenas para 2023 faria "sentido econômico". Isto é, seria necessário conhecer o novo plano de contenção da dívida, despesa e déficits (que em tese vai substituir o "teto") antes de pensar o tamanho do gasto a partir de 2024.
Seja como for, a ideia dos líderes do poder na Câmara, basicamente o centrão, e senadores é obrigar o governo Lula a renegociações mais adiante.
Além do mais, deve haver algum talho na proposta da "PEC da Transição". Em vez de quase R$ 200 bilhões, pode ser algo entre R$ 130 bilhões e R$ 180 bilhões.
Isto posto, as discussões de limites de gasto em 2023 e do que fica dentro ou fora do teto estão malpostas ou podem ser irrelevantes.
Tem se dado muita importância à possibilidade de os gastos com o Bolsa Família ficarem "permanentemente" fora do teto. Pode ser importante, enquanto não há outra regra de limitação da despesa além daquela de 2016, o teto de Michel Temer. Mas o assunto pode se tornar irrelevante, a depender da "nova regra fiscal".
Imagine-se que o Bolsa Família fique "para sempre" fora do teto (qual teto, aliás?). No entanto, pode haver uma nova regra fiscal segundo a qual seja preciso limitar o crescimento da despesa de modo a fazer com que a dívida caia em tal ritmo, para tal nível.
Isto é, mesmo que o "novo teto" autorize despesa até certo limite, a exigência de conter a dívida pode impedir que se gaste até esse limite. Então, neste caso, tanto faz que a "exclusão do teto" seja permanente ou não.
Esse é o sentido das melhores propostas de contenção da dívida apresentadas até agora, como as de Felipe Salto, secretário da Fazenda paulista, e de Armínio Fraga e Marcos Mendes.
A discussão sobre a despesa adicional de 2023 está malparada por vários motivos. Mesmo que se limite a despesa a partir de 2024, como sugerem líderes do Congresso ou mesmo da "transição" para Lula 3, o tamanho do gasto extra de 2023 terá implicações para os anos seguintes.
Um gasto extra de R$ 80 bilhões em 2023 ano já tende a levar a dívida pública a perto de 80% do PIB ao final do governo Lula, dado um crescimento do PIB de 2% ao ano, juros reais de 3,5% ao ano e receita federal de 18,5% do PIB nesse período.
Mas pode bem ser que, com a perspectiva de que o endividamento não vá cair tão cedo, as taxas de juros continuem altas e o crescimento, baixo. Essa combinação eleva ainda mais o tamanho da dívida.
Favor prestar atenção: trata-se aqui de uma hipótese de gasto extra de R$ 80 bilhões. A situação fica pior com um gasto maior, claro.
Sim, é possível "ver isso depois". Se não houver algum evento explosivo, então seria necessário fazer corte muito duro de despesas e aumento grande de imposto. A conta vai acabar ficando mais cara. Ou, então, a dívida vai subir sem limite. Ou, então, se espera um "milagre do crescimento", com o PIB aumentando a mais de 3% ao ano, com inflação baixa e juros caindo imediatamente no ano que vem. Difícil.
Folha de São Paulo