Por Lorenzo Carrasco
O recuo do presidente Jair Bolsonaro em seu confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), depois das massivas manifestações de 7 de setembro, não decorreu de uma deliberação ensejada por habilidade política, mas da pressão do sistema financeiro, que ensaiou, no dia seguinte, uma corrida especulativa contra o real e a Bolsa de Valores de São Paulo. O próprio ministro de Economia Paulo Guedes vocalizou as demandas dos principais arautos do “mercado” para acalmar o presidente da República, que exibe entre as suas características uma ignorância absoluta sobre assuntos de economia.
Em paralelo, o manifesto da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e de vários dos capitães das corporações e carteis que operam no País foi direcionado para pressionar pelo impeachment do presidente, como ficou evidenciado pela presença de vários deles nas pífias manifestações de 12 de setembro, das quais saiu praticamente sepultada a chamada “terceira via” para as eleições de 2022. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, na Avenida Paulista, estiveram presentes personagens como Horácio Lafer Piva (ex-presidente da FIESP), José Olympio Pereira (Crédit Suisse), Fábio Barbosa (Gávea Investimentos e ex-presidente do banco Santander), Antônio Moreira Salles (filho do presidente do conselho de administração do Itaú-Unibanco, Pedro Moreira Salles), Eduardo Wurzmann (Focus Energia) e Lucia Hauptman, que com seu marido Pedro Parente comandam a Prada Assessoria, empresa especializada na gestão das fortunas de famílias milionárias. Todos estes personagens alinhados no grito de guerra “fora Bolsonaro”.
Por ironia, a polarização institucional vinha servindo de cortina de fumaça para as ações nada sorrateiras do “Posto Ipiranga”, em seu compromisso de rifar o que resta das estruturas econômicas do Estado brasileiro, seguindo o receituário ultraliberal já ultrapassado até mesmo em sua alma mater, a Escola de Chicago. Além de manter o esquartejamento da Petrobras, submetida a um esquema de rapina de atrelamento aos interesses financeiros, completar a privatização da BR Distribuidora e entregar ao setor privado a carteira de créditos vencidos do Banco do Brasil, as bolas da vez são os Correios, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (CEITEC) e a Eletrobras – esta última, impensável, diante da ameaça real de um duro racionamento de eletricidade, resultante de três décadas de atrelamento combinado aos interesses financeiros e às idiossincrasias da agenda ambientalista-indigenista.
Assim, a redução do tensionamento institucional deixa a descoberto o impacto de uma política econômica que está afogando o País em uma perigosíssima “estagflação”, uma depressão econômica que caminha para seis anos combinada com uma escalada inflacionária a níveis de dois dígitos, como já se observa em itens básicos, como alimentos e combustíveis, além do desemprego e subemprego recordistas. Paralelamente, a concomitante elevação da taxa Selic pelo Banco Central “independente” contribuirá para alimentar o círculo vicioso de redução das atividades econômicas e escalada do endividamento público, o “Sistema da Dívida” que representa o endeusamento do sistema financeiro.
Por outro lado, tanto a política econômica como a entropia institucionalizada pelo conflito dos três poderes têm um denominador comum: a falta de um projeto nacional de desenvolvimento, que recoloque o interesse nacional acima das pautas corporativas que tomam conta do orçamento nacional há três décadas. E, por outra ironia desses acontecimentos, foi o chamado “pacificador”, o ex-presidente Michel Temer, que implementou a malfadada política do teto orçamentário, a qual colocou uma camisa de força sobre qualquer iniciativa de emissão de créditos nacional para o desenvolvimento e a geração urgente de empregos. Sem a retirada desse garrote orçamentário e na ausência de uma intervenção direta do Estado para reaquecer a economia, ambas improváveis com Guedes e caterva, o cenário mais provável é o aprofundamento da “estagflação Ipiranga”, com previsíveis fortes impactos socioeconômicos negativos e o acirramento das tensões sociais e políticas em uma sociedade já bastante fragmentada, desesperançada – e raivosa.
Em essência, apenas a retomada da discussão de um projeto nacional entre os mais diversos setores da sociedade, que canalize e catalise para um propósito superior energias e emoções atualmente dilapidadas na polarização ideológica e política, pode oferecer aos brasileiros uma perspectiva de retomada de uma visão de grandeza e progresso do País, com instituições devidamente sintonizadas com ela e não apenas engajadas em suas pautas corporativas. Tal aspiração não esteve alheia a muitos dos manifestantes de 7 de setembro, mas precisa superar as barreiras político-partidárias e ideológicas, para ter uma chance real de concretização.
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