Por Carlos Alberto Sardenberg (foto)
Além de se manifestar contra a vacinação em geral, o presidente afirmou três vezes, somente nesta semana, que a CoronaVac não tem eficácia científica comprovada. Por outro lado, o Ministério da Saúde informou que já distribuiu mais de 101 milhões de doses da CoronaVac.
Vai daí que: ou o presidente mente descaradamente ao declarar ineficaz uma vacina aprovada e distribuída por órgãos técnicos de seu governo; ou o Ministério da Saúde engana descaradamente a população brasileira ao oferecer um medicamento imprestável.
Em qualquer caso, temos aí um crime grave, sempre de responsabilidade direta do presidente Bolsonaro. Ele costuma colocar a culpa nos outros, mas não tem como dizer que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é o único responsável pela aplicação da vacina do Instituto Butantan.
Como a eficácia da CoronaVac tem farta comprovação científica, no Brasil e em outros países, como Chile, para não citar a China, produtora original da vacina, a conclusão é inevitável: Bolsonaro mente.
Mas isso se estivéssemos tratando de uma pessoa normal. Mentiroso é quem afirma algo sabendo tratar-se de mentira. Não é o caso. Pelo seu comportamento nesta e noutras situações, Bolsonaro demonstra que não acredita — isso mesmo, não acredita —nas informações científicas sobre a Covid-19, muito menos sobre a eficácia da CoronaVac.
Diria, de novo, uma pessoa normal: ciência não é algo em que se acredita ou não. Ciência é experimento, prova, demonstração, teste. Diferente de senso comum praticado por pessoas ignorantes que se acham portadoras da verdade para tudo.
Sabe aquele cara que, diante de uma informação científica, olha para você com ar superior e diz: “E você acredita nisso?”.
Muita gente entende que há uma estratégia por trás desse comportamento de Bolsonaro. Mas qual seria a estratégia de espalhar mentiras e confundir a população, junto à qual, aliás, perde confiança toda semana?
Não é estratégia. Na verdade, ao desclassificar a vacinação, a CoronaVac, os números sobre a pandemia (acha que o número de mortos é bem menor que o registrado pelo próprio governo) e a gravidade da doença (acha que os mortos por Covid-19 morreriam em poucas semanas, tendo o vírus apenas antecipado o desfecho fatal), Bolsonaro se comporta como o sabichão de mesa de bar.
Nossas avós diziam: a ignorância é atrevida. Tinham razão. Repetiam Sócrates, pelo avesso. Só sei que nada sei, dizia o verdadeiro sábio, criador do pensamento ocidental.
Só que o sabichão de mesa de bar é apenas isso. Ignorante inofensivo. Sendo presidente, Bolsonaro causa enorme problema para o país e para sua população. O que nos salva, parcialmente, é que a população é mais esperta que o presidente.
A maioria esmagadora dos brasileiros corre atrás da vacina, seja qual for e onde esteja sendo aplicada. A adesão dos brasileiros à vacina está bem acima da média mundial. Aqui não tem movimentos antivacina, demonstração de que a maioria não cai na conversa maluca do presidente.
Mas o estrago está feito. O negacionismo de Bolsonaro atrasou a chegada das vacinas ao Brasil e, pois, contribuiu para um número maior de doentes e mortos.
O que evitou o pior — um país sem vacinas —foi a ação do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o poder de governadores e prefeitos nos programas de combate à pandemia. E estes lutaram pelas vacinas, assim como parte das lideranças políticas e civis, conseguindo forçar o governo federal a adquiri-las. A mídia independente e séria teve papel crucial ao mostrar os dados da ciência e os fatos observados.
Médicos e profissionais da saúde pública e privada tiveram comportamento exemplar, tirante aqueles, agora apanhados pela CPI, que agiram contra a ciência que deveriam ter aprendido.
Essa barreira continua de pé. Mas é preciso impedir que o presidente continue nessa cruzada do mal.
O Globo