Carlos Newton
Devido ao apoio ostensivo do então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, do general reformado Augusto Heleno e do presidente do Clube Militar, general Hamilton Mourão, que respaldaram sua candidatura em 2018, atraindo milhões de votos, o presidente Jair Bolsonaro sonhou que poderia contar com o apoio das Forças Armadas para conduzir o governo de forma arbitrária e pouco republicana.
Julgou que poderia comprar o respaldo da caserna por 30 dinheiros, mas a banda militar não toca bem assim. O resultado é que, dois anos após a posse, o presidente está sendo investigado por crimes comuns em quatro inquéritos simultâneos no Supremo, e as Forças Armadas guardam respeitosa distância dessas questões jurídicas, que não lhes dizem respeito.
PRIVILÉGIOS MANTIDOS – Estrategicamente, Bolsonaro manteve todos os privilégios das Forças Armadas, em termos de previdência e assistência médica e odontológica, e equiparou seus salários aos tetos dos Poderes da República, apesar de há anos trabalharem em regime de meio expediente, devido a cortes orçamentários.
Ninguém lhe pediu nada, oficialmente, mas os três comandantes e o ministro da Defesa, em ordens do dia, deixaram claras as reinvindicações, que o presidente da República fez questão de atender.
Mas esses assuntos morreram por aí, os militares continuam nos quarteis, enquanto o governo abre as burras para garantir a compra dos caças Gripen, a construção de fragatas e submarinos nucleares e o reequipamento do Exército, incluindo os novos carros blindados.
É BOM LEMBRAR… – Devido aos problemas judiciais do filho Flávio, em 2019 o presidente aceitou o pacto com o Supremo e o Congresso, para desidratar o pacote anti-crime do então ministro Sérgio Moro e possibilitar outras medidas para garantir a impunidade das elites, como o fim da prisão após segunda instância.
Foi quando surgiu a denúncia contra as mulheres dos ministros Dias Tofolli e Gilmar Mendes, por sonegação de impostos. Na época, Toffoli era presidente do STF e pediu providências a Bolsonaro contra a Receita e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O presidente atendeu e tentou fazer mudanças no Coaf e na Receita, enquanto Toffoli abria um inquérito contra “fake news” sobre o Supremo, sem perceber que poderia ser um tiro no pé.
“GABINETE DO ÓDIO” – No decorrer das investigações das “fake news”, a Polícia Federal chegou ao “gabinete do ódio”, que funciona no Planalto sob comando de Carlos Bolsonaro, o filho 02, e coordenação de Tércio Arnaud Tomaz, assessor do presidente da República.
Ou seja, o inquérito atinge o próprio Bolsonaro, que simultaneamente está sendo investigado também no inquérito dos atos antidemocráticos, por envolver o mesmo “gabinete do ódio”.
Além disso, o ministro Alexandre de Moraes conduz um terceiro inquérito, aberto a pedido de Bolsonaro pelo procurador-geral Augusto Aras, que acusava o ex-ministro Sérgio Moro por denunciação caluniosa e outros seis crimes.
TROCA DE “INVESTIGADOS” – No decorrer das investigações, algo insólito aconteceu. Antes do final do inquérito, o acusado Moro foi tacitamente inocentado, porque seu nome saiu da capa dos autos e foi substituído por Jair Messias Bolsonaro, que passou a ser o “investigado” em oito crimes denunciados pelo advogado de Moro.
Mas como essa troca de nomes aconteceu antes do final do inquérito? Ninguém sabe. É um mistério profundo, coisas da Justiça brasileira.
Por fim, Jair Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal num quarto inquérito, sob relatoria de Cármen Lúcia, acerca da atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para anular as investigações contra Flávio Bolsonaro.
OS MILITARES ASSISTEM – As Forças Armadas, com seus serviços de inteligência, acompanham atentamente os inquéritos e sabem que não há como evitar a abertura de processo.
O mais grave, com provas incontestáveis, é o que apura a denúncia de interferência na Polícia Federal, que ficou mais sólido com a anexação das provas do caso Abin, solicitada pelo advogado de Moro.
Os militares sabem que Bolsonaro está por um fio. Em março, quando terminam as três primeiras investigações, se o Supremo tiver parecer favorável do procurador Augusto Aras e abrir processo, Bolsonaro será afastado por 180 dias para responder por crime comum.
###
P.S. – E os militares? Bem, eles continuarão como estão, assistindo de camarote à derrocada de seu benfeitor, o capitão Jair Bolsonaro. É uma ironia do destino, como se dizia antigamente, e eles confiam cegamente no vice Hamilton Mourão. (C.N.)