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segunda-feira, agosto 23, 2010

O Senado Federal segundo Pedro Simon

Senador gaúcho sugere mudanças radicais na estrutura administrativa do Senado para evitar novos atos secretos e funcionários superpoderosos, como o ex-diretor-geral Agaciel Maia

José Cruz/ABr
Em entrevista ao Congresso em Foco, Simon defende mudanças radicais na administração do Senado

Fábio Góis

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) é uma voz dissonante em meio aos desmandos administrativos do Senado. Foi o único parlamentar que, diante de servidores de braços cruzados em plenário, foi à tribuna para fazer críticas veementes ao plano de cargos e salários que seria avalizado, em votação simbólica, instantes após seu protesto. De um lado, o parlamentar gaúcho empunhava como arma uma espécie de libelo de repúdio; de outro, nomes como Heráclito Fortes (DEM-PI, primeiro-secretário do Senado) e Marconi Perillo (PSDB-GO, 1º vice-presidente) consentiam e reforçavam a pressão corporativa em favor do plano de carreira, encabeçada pelo Sindilegis, o sindicato dos servidores do Legislativo.

Na ocasião, Simon abdicou do “longo pronunciamento” que tinha em mãos (“prefiro conversar”) e disse que ali estava em condição especial: “O mais antigo deve ser o mais responsável”. Em seu discurso, não poupou críticas à forma pouco transparente com que foi discutido o texto aprovado por alguns senadores, em 23 de junho: o material foi levado ao plenário rápida e reservadamente – no âmbito da Mesa Diretora, que centraliza as decisões da Casa, apenas a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) se opôs às variadas versões do texto.

“Essas coisas foram feitas, e nunca ninguém participou. Nem a Mesa, senhor presidente, nem o Plenário. (...) As coisas mais estranhas que se possam imaginar foram votadas aqui sem sabermos. E muita coisa sem a Mesa saber, colhendo assinaturas depois, pois nem reunião houve! Essa é a maneira de esta Casa funcionar. Culpa nossa!”, bradou Simon, em mea culpa atentamente acompanhado por servidores graduados.

“Não dá para dizer que é culpa dos funcionários a nossa televisão ter mais funcionários do que a TV Globo, ou a nossa gráfica ter mais funcionários do que a gráfica da revista Veja. Os funcionários não têm nada a ver com isso. Nós somos os responsáveis, ainda que a maioria ou a quase totalidade pela omissão. Mas é uma omissão pecaminosa”, arrematou o congressista, um dos fundadores do PMDB e tido como “dissidente” dentro da legenda, principal partido da base governista, por suas críticas a algumas ações do governo Lula.

Com a autoridade de mais 30 anos de Casa, Simon materializou sua contrariedade em relação às ações institucionais no livro O Senado nos trilhos da história – Reforma administrativa do Senado Federal; análise crítica e propostas alternativas. Em 122 páginas, o senador gaúcho faz críticas gerais, mostra números sobre a megaestrutura da Casa, comenta as orientações de enxugamento feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e apresenta propostas adicionais ao projeto de reestruturação.

A principal sugestão de mudança, diz Simon, é a que ele considera a mais difícil: sessões deliberativas em plenário às segundas e sextas-feiras. “Quando o Juscelino [Kubitschek, ex-presidente da República] transferiu a capital, ficou aquela história: como é que os deputados e os senadores iam viajar para Brasília? Então, a Mesa, por meio de uma resolução, passou a dar um ou duas passagens para cada parlamentar (o improviso originou a “farra das passagens”). No grito! E, a exemplo disso, o resto [das normas] foi sendo feito na base do grito. Não tem nenhuma decisão que diz que só tem votação em plenário nas terças, quartas e quintas. Mas, no grito, segunda e sexta não funciona”, relembrou o parlamentar gaúcho.

Em suma, o desafio que Simon tem pela frente são as práticas há muito arraigadas no Senado e que, como consequência, resultaram em malefícios para a própria instituição. “O Senado Federal viveu, em meados de 2009, uma das suas maiores crises. De repente, a imprensa estampou, em primeira página, que exatamente a Casa revisora das Leis se regia por atos secretos, decisões de gaveta, nomeações às escuras, favores injustificados e violações normativas de toda ordem. Descobriu-se, também, que a falta de transparência na administração do Senado era histórica”, diz Simon na apresentação do livro, impresso pela Gráfica do Senado (Secretaria Especial de Editoração e Publicações).

O Congresso em Foco quis saber um pouco mais sobre as intenções do senador gaúcho expostas na publicação – mudanças que, certamente não serão de simples implementação em uma estrutura de mais de 10 mil servidores e orçamento anual de cerca de R$ 2,7 bilhões. Em entrevista concedida em seu gabinete na última terça-feira (17), Simon disse que fatos como a existência de 167 carros à disposição de uma Casa legislativa com apenas 81 inquilinos são “piada”.

“Esse quadro que está sendo descrito no livro não aconteceu da noite pro dia. Tem coisas que a gente nem sabe onde e como acontecem”, declarou Simon, para quem há “desinteresse e irresponsabilidade” dos próprios senadores em não fazer as coisas mudarem no Senado.

O parlamentar, no entanto, rejeita a extinção do Senado, mesmo reconhecendo que, em um dos exemplos do desmando administrativo, o trabalho das inúmeras comissões da Casa – que geram ônus aos cofres públicos – têm funcionamento “de mentirinha”. “Eu sempre digo que não vou participar nem dessas subcomissões, das quais eu tenho evitado, e muito, participar. Na verdade, você não participa. É uma coisa que funciona de mentirinha”, fustigou o peemedebista.

Confira os principais pontos da entrevista:

Congresso em Foco - O senhor considera, sinceramente, possível fazer as mudanças propostas no livro?
Pedro Simon -
Sinceramente, não são fáceis. Esse quadro que está sendo descrito no livro não aconteceu da noite pro dia. Tem coisas que a gente nem sabe onde e como acontecem. Eu vou fechar 32 anos de Senado. Houve fatos que eu fui ver aqui, na hora em que eu entrei na comissão [especial de reforma administrativa], que eu não sabia que existiam. E, no entanto, aconteciam. Lamentavelmente, há um desinteresse dos senadores na condução dos trabalhos normais da Casa. E há uma irresponsabilidade dos senadores no que tange a se preocupar com a estabilidade e a seriedade da Casa. Há uma indiferença. Se você reparar, os senadores não participam, a Mesa é quem decide. Mas, se você for ver, a Mesa, na maioria das vezes, assina sem saber o que está assinando.

Foi o caso do plano de carreira?
Foi exatamente o caso do plano de carreira. Ninguém sabia o que estava assinando, e o plenário vota sem saber. O primeiro-secretário é uma figura toda imponente, mas na verdade o diretor-geral é quem comanda. Há uma irresponsabilidade imensa na condução do Senado, e isso foi gradativo. O senador Brossard [Paulo Brossard, ex-senador do PMDB pelo Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça no governo José Sarney], me dizendo que ia fazer um levantamento, viu como nasceu o negócio de o senador ter direito a passagem, para viajar ao seu estado. Ele disse que, lá na origem de tudo não tem lei, não tem resolução de Mesa, nem de Plenário. Não tem nada... Tem que o Juscelino [Kubitschek, ex-presidente da República] transferiu a capital para Brasília e, nessa hora, ficou aquela história: como é que os deputados e os senadores iam viajar para Brasília? Então, a Mesa, por meio de uma resolução, passou a dar um ou duas passagens para cada parlamentar. No grito! E, a exemplo disso, o resto [das normas] foi sendo feito na base do grito. Não tem nenhuma decisão que diz que só tem votação em plenário nas terças, quartas e quintas. Mas, no grito, segunda e sexta não funciona.

Seriam práticas prejudiciais à atividade legislativa...
E tudo no grito. Por exemplo, cargos: por que um senador hoje tem x cargos, três vezes mais do que quando eu cheguei aqui? Tem posição que nem se tem ideia de quando começou, nem como começou, por aprovar, ou por deixar de aprovar... Foi uma série de irresponsabilidade. Então, tem um grupo de funcionários que – esses sim – são os que mandam, fazem o que querem. Em um estudo que eles querem tem uma infinidade de coisas... a Polícia do Senado, por exemplo. É quase termos de fazer Marinha, Exército, Aeronáutica e Polícia do Senado. É um órgão à parte que é criado.

Na sua opinião, qual sugestão de mudança descrita no livro terá mais dificuldade de ser implementada?
Para mim, a mais importante. Eu defendo o seguinte: hoje [terça-feira] nós estamos no dia 17. Até o fim do mês, o plenário vota qual a pauta a ser votada em setembro. Definem-se quais projetos serão votados em setembro. Não tem mais essa história de que segunda e sexta-feira é reunião facultativa. Não. Todos os dias da semana teriam reunião plenária obrigatória. E aí tu fica e tu vota até fechar aquela pauta. Tu não ganha mais cinco passagens por mês, tu ganha uma. Se até o dia 20 do mês de votações eu votei todas as matérias, aí eu tenho dez dias para ir ao meu estado. Se eu só votei todas as matérias até o dia 25, então eu tenho três dias para ir ao estado. Se eu não votei as matérias até o dia 30, eu não vou para o estado. Termina com aquela história de matéria ficar na gaveta, de segunda e sexta-feira não ter sessão, e o Senado funciona com vida permanente. O Senado hoje funciona terça de tarde, quarta o dia inteiro, e quinta de manhã. Os caras já estão acostumados a ir embora logo.

O Senado tem um histórico de comissões especiais designadas para os mais diversos fins – algumas servem apenas para realocação de servidores e têm os propósitos desvirtuados. Com o senhor vê o excesso (ou os excessos) desse tipo de colegiado no Senado?
Por um lado, às vezes há comissões que ajudam, colaboram. Agora, o exagero não constrói nada. Uma das coisas que não aceito mais, por exemplo, é participar dessas comissões que são criadas atualmente: ‘[Comissão] Amigos da Argentina’, ‘Amigos da Índia’, ‘Amigos de Não-sei-o-quê’... Eu sempre digo que eu não vou participar, nem dessas subcomissões, das quais eu tenho evitado, e muito, participar. Na verdade, você não participa. É uma coisa que funciona de mentirinha. O presidente badala um pouquinho pra lá, badala um pouquinho pra cá... Mas, na prática, não anda e não funciona.

Observadores da cena legislativa avaliam que propostas são rapidamente aprovadas na Câmara, graças à ampla maioria governista, e emperram no Senado. O que o senhor acha da crítica?
Sinceramente, não acredito que isso esteja acontecendo. Pelo contrário, todos os projetos que vêm da Câmara são votados aqui. E os projetos que são iniciados no Senado morrem na Câmara. A Câmara não vota e devolve para o Senado, porque quer ficar de dona do projeto. Então, um projeto que é feito aqui e considerado bom, aprovado aqui, e vai para a Câmara, lá eles deixam na gaveta. Depois de algum tempo, um deputado apresenta um projeto igual que é aprovado na Câmara e enviado ao Senado. Aí, nós aprovamos no Senado e o projeto volta para a Câmara. É muito difícil a Câmara deixar que algum projeto importante tenha iniciativa no Senado ou autoria de um senador. Agora, o que acontece é outra coisa: o governo tem mais facilidade na Câmara, onde os projetos passam mais facilmente. Aqui no Senado tem mais debate, mais discussão. Mas isso acontece hoje. No ano que vem, pode acontecer o contrário, o governo ter maioria no Senado e minoria na Câmara. O normal até é que seja isso: a confusão geralmente é maior na Câmara do que no Senado; só que agora, na Câmara, o governo tem uma maioria humilde, e no Senado é mais complicado.

Muitos dizem que, enquanto houver um feudo administrativo no Senado, propostas como a de reestruturação administrativa não avançarão...
A reforma administrativa de que estamos tratando agora, eu propus ao Tasso Jereissati [PSDB-CE, relator do projeto], ao Jarbas Vasconcelos [PMDB-PE], ao Eduardo Suplicy [PT-SP] e aos outros que nós deveríamos deixar para o ano que vem. Dois terços dos senadores vão mudar no ano que vem e, com uma nova Mesa, acho que devemos, até o fim do ano [2011], fazer debates, audiências externas.

O que o senhor acha da estrutura da Polícia Legislativa? Eles têm como prerrogativa, entre outras coisas, acompanhar senadores em viagens internacionais...
Piada! Quer dizer que se eu, por exemplo, quando estiver no Rio Grande do Sul, achar que estou em perigo, peço para a Polícia do Senado cuidar de mim lá?... É um absurdo. Se eu achar que estou em perigo, vou à Polícia Federal, e peço uma coisa qualquer igual a qualquer cidadão. Agora, criar uma estrutura no Senado para isso é piada. Criar serviço de inteligência do Senado? O que é isso? Onde é que nós estamos? Pois é... Ao longo dos anos foi aumentando, aumentando, e virou um negócio desses.

O senhor acredita que a situação do Senado pode mudar com o projeto de reestruturação?
Vai mudar. As coisas foram tão mal conduzidas neste ano que, ano que vem, é natural mudar, existe condição para mudar. No relatório dele, o Tasso Jereissati concorda plenamente com as mudanças, e isso fica como uma proposta. E, em cima do relatório dele, nós vamos debater para fazer a reforma por meio de projeto.

Além do impacto financeiro de quase meio bilhão de reais, anualmente, o plano de carreira aprovado prevê gratificações que, juntas, podem mais do que dobrar salários...
Eu votei contra porque nós deveríamos primeiro fazer a reforma administrativa e, depois, fazer um plano de carreira adaptado a ela. Você já tem um plano de carreira e agora vai fazer uma reforma administrativa? É um absurdo. Agora vai ser uma coisa muito difícil, muito difícil, adaptar uma reforma administrativa e decidir o que colocar no plano de carreira. Agora, o funcionário considera o plano de carreira uma conquista. Mexer para tirar é mais complicado do que se tivesse adaptado e deixado para votar depois.

O Senado tem uma estrutura orçamentária e de pessoal gigantesca. Sua proposta alteraria radicalmente essa estrutura, nas duas áreas. O senhor considera possível implementar as mudanças mesmo diante do corporativismo que caracteriza a Casa?
Por isso eu digo que não devemos ter pressa em fazer essa reforma. Nós devemos levar tempo, começar por adaptações. Não posso chegar amanhã e, diante de 13 mil funcionários, reduzir a mil. Não tem nenhuma chance de definir o que vai demitir, o que não vai demitir. Temos de fazer as adaptações naturais. Por exemplo: líder não deve ter dois gabinetes. Só por que um senador é presidente de comissão deve ter dois gabinetes? E esses gabinetes costumam ter 25 funcionários, outras salas. Se eu sou membro ou suplente da Mesa eu tenho dois gabinetes. Se eu sou senador eu tenho uma cota de passagem, mas se eu sou líder ou membro da Mesa eu tenho direito ao dobro? Se eu sou apenas senador eu tenho uma cota para publicar livros na Gráfica, mas se eu sou líder eu tenho o dobro? Então, são essas coisas que têm que começar a cortar, por etapas. Por exemplo, de segunda a sexta, deveríamos ter sessão ordinária com presença obrigatória. Isso nós podemos estabelecer logo. Seria assim: estabeleceríamos uma pauta e, em cada fim de mês, a colocaríamos para o mês seguinte e teríamos que votar aquela pauta. Não vai acontecer de ficarmos com um projeto na gaveta durante um ano, dois anos.

Alguns servidores da Casa têm muito poder. Basta lembrarmos o caso do ex-diretor-geral Agaciel Maia, apontado como um dos responsáveis pela emissão de milhares de atos secretos, em 14 anos à frente da Diretoria Geral...
No fundo, o diretor-geral é quem mandava em tudo. Então, todos queriam ser atendidos naquilo que ele quer. Então o senador líder, o senador membro da Mesa, um tal de 'eu quero conseguir uma nomeação aqui, um favor ali'. E o diretor atende a todo mundo. No momento em que ele atende a todo mundo, no resto ele faz o que quer e os senadores da Mesa não mandavam ele embora.

Agaciel, inclusive, lançou candidatura para deputado distrital...
E vai se eleger. Sinceramente, pelo que eu vejo de gente dizendo que deve isso a ele, deve aquilo a ele... Deve se eleger.

O senhor é um dos nomes históricos do PMDB e tem cerca de 30 anos de vida pública só no Senado. Como o senhor responde aos que defendem a extinção da Casa?
Não acredito que isso resolveria. Acho que a democracia está mudando e a Câmara Revisora é algo importante, e que faz bem para a Nação. Repare que o Senado é a última realidade em que o Brasil ainda é uma Federação. Se houver só a Câmara, o que pode acontecer lá? São Paulo vai ter seus 80 deputados e o Piauí vai ter seus oito deputados. Aqui no Senado, não. São Paulo tem três senadores, Piauí tem três senadores. Portanto, pode-se fazer esse equilíbrio. Não pode ser só o Senado, porque se for isso ou apenas uma câmara composta de um número igual de deputados para todos os estados, seria uma injustiça – porque, São Paulo, com 35 milhões [de habitantes], não pode ter o mesmo número de representantes que o Piauí. Em compensação, não é porque um estado é amplamente majoritário que ele vai esmagar a Federação que é representada pelo Senado. Acho que as coisas podem estar erradas, pode ter muita coisa para mudar, mas não vejo em que o Senado atrapalha. Seria muito ridículo alguém falar em extinguir o Senado quando, na verdade, o grande adversário, hoje, da democracia brasileira é a medida provisória. Não é o Senado que atrapalha, que demora, que dificulta a prática da democracia. O que dificulta é a medida provisória, pela qual o governo faz o que bem entende.

Fonte: Congressoemfoco

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