Foto: Bruno Peres/Agência Brasil/Arquivo
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves24 de fevereiro de 2025 | 17:30Ministra diz que interrompe agenda para atender Janja, mas que ‘enrola’ dois ministros
Uma gravação em poder da Comissão de Ética da Presidência da República (CEP) revela a influência da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, no Ministério das Mulheres, e como ela costuma ser atendida com presteza. A primeira-dama recebe, segundo relato da própria ministra Cida Gonçalves, um grau de atenção diferente de ministros do governo, que despacham no Palácio do Planalto.
A CEP analisa nesta segunda-feira, dia 24, denúncia de assédio moral contra a ministra das Mulheres.
Em relato a sua equipe que foi gravado, a ministra indicou que costuma interromper seus compromissos para atender chamados de última hora três pessoas: a primeira-dama Janja, o presidente Lula, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Mas não faria o mesmo nem sequer com os ministros Alexandre Padilha (Relações Instituicionais) e Márcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência). Assim como a própria Cida, ambos podem ser alvo da reforma no primeiro escalão de Lula.
“Na hora que estou com tudo organizado o presidente chama, a Janja chama, Rui chama. O Palácio chamou… O presidente chamou tem que deixar tudo, Rui chamou tem que deixar tudo. Os únicos que eu consigo enrolar são o Márcio e o Padilha, os outros eu não consigo. Isso se chama hierarquia, respeito à autoridade”, disse Cida.
A ministra falava a subordinadas sobre a imprevisibilidade de sua agenda ministerial, que ela mesmo considerava um “inferno”. A ministra tentava rebater queixas de que era complicado acessá-la e também cobrava mais agilidade das secretárias nacionais que compõem a equipe e dizia que não poderia haver dentro da pasta “mini ministérios”.
A reportagem questionou ao Ministério das Mulheres, com base na gravação, a razão pela qual a primeira-dama seria merecedora de mais prioridade do que ministros de Estado – e por que alguns podem ser mais “enrolados” do que outros. O ministério nega o tratamento especial a Janja.
“A ministra não teve acesso aos áudios e não se recorda do teor das conversas, muitas vezes em tom descontraído e informal. De qualquer forma, é importante pontuar que a afirmação de que ‘a primeira dama merece mais prioridade do que ministros de Estado, que podem ser ‘enrolados’, e alguns ministros mais do que outros’, é da reportagem e não um pensamento da ministra”, afirmou a assessoria de imprensa da pasta.
“Como ministra de Estado, Cida Gonçalves jamais deixou de atender a qualquer outro ministério. O Ministério das Mulheres possui articulação institucional com todas as outras pastas do governo, até por conta da transversalidade dos temas tratados. Naturalmente, algumas pautas são mais complexas do que outras e as atinentes à Secretaria-Geral da Presidência e à Secretaria de Relações Institucionais são mais extensas e demandam tempo, por envolver, respectivamente, a articulação com entidades da sociedade civil e a relação com o Congresso Nacional.”
Relação prévia com Janja
Janja costuma fazer reuniões com a ministra para discutir pautas de gênero, uma de suas bandeiras políticas. Cida e a secretária-executiva Maria Helena Guarezi, também alvo de denúncias, são próximas da primeira-dama e atuam com respaldo político dela. A número dois do ministério é amiga pessoal de Janja.
Um dos exemplos de envolvimento de Janja, segundo relatado por Cida na reunião, foram estatísticas, possivelmente, para embasar uma proposta de projeto de lei de reserva de vagas nas eleições – se seria paridade ou algum percentual, como 30% para um gênero.
“É importante destacar que a ministra e a primeira-dama possuem relações pessoais e profissionais que antecedem a eleição do presidente Lula e sua indicação ao ministério. A primeira-dama tem um extenso histórico de articulação política no campo dos direitos das mulheres e, por isso, oferece um rico diálogo e fundamentais contribuições para as pautas da igualdade de gênero. No entanto, é óbvio que não existe qualquer hierarquia ou prioridade em relação a outros ministros, substancialmente porque os temas tratados são extremamente distintos”, afirmou a assessoria de Cida.
Cargo na COP-30, repasse de verba e ajuda em campanha
Em outubro de 2024, Cida e ao menos três outras autoridades da pasta foram alvo de denúncias de comportamentos e práticas, segundo denunciantes, seria compatíveis com assédio moral, inclusive com teor de xenofobia regional. Haveria até um caso de racismo, que teria sido praticado pelo número dois do ministério.
A Controladoria-Geral da União arquivou a maior parte das queixas, por não reunirem materialidade. O caso da ministra não foi avaliado e segue pendente de julgamento na Comissão de Ética.
No domingo, 23, o jornal O Estado de São Paulo revelou que a ministra ofereceu uma saída acordada à secretária que teria sido vítima de racismo, Carmen Foro. Até agosto passado, ela era titular da Secretaria Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política.
Antes de demiti-la, Cida buscou um entendimento e ofereceu a Carmen que ajudaria em três frentes: obter cargo ligado à organização da COP-30; aumentar o repasse de verbas a entidades sociais que atuam no Pará, base política da então secretária; e até correr atrás de dinheiro fora do País para um grupo que poderia servir como suporte a uma campanha eleitoral dela em 2026.
Ao jornal, a defesa da ministra e o ministério negaram práticas de omissão, xenofobia e assédio. Também afirmou que ela não fez ofertas de cargo, de repasse de verbas públicas e ainda rejeitou envolvimento dela em financiamento eleitoral ou do grupo que atuaria em favor da eleição da ex-secretária, no ano que vem.
Felipe Frazão/EstadãoPoliticaLivre