Pedro do Coutto
Foi importante o tom afirmativo que a presidente Dilma Rousseff imprimiu a seu discurso de posse ressaltando os desafios que terá pela frente na fase pós-Lula que começa, e, ao mesmo tempo, destacando o sepultamento das sombras do passado sem rancor ou espírito de revanche. Um belo pronunciamento, sem dúvida.
Entre as sombras do passado – para aproveitar o título de Graciliano Ramos – as memórias do cárcere e a bestialidade das torturas pelas quais passou, e dos torturadores que se refugiam no passar do tempo, condenados eternos até por si mesmos. Quanto ao futuro que se descortina como uma alvorada, incluiu a erradicação da miséria, o que é possível, mas sobretudo da pobreza, salto mil vezes mais difícil.
Para vencer a pobreza, uma vergonha para o Brasil e para o mundo que aprisiona bilhões de seres humanos já no terceiro milênio, é indispensável que ela transponha dois abismos estratégicos: implantar um regime de pleno emprego e um sistema que assegure aos salários reajustes anuais que possam derrotar pelo menos a inflação do IBGE e também registrada pela Fundação Getúlio Vargas. Nada fácil tal tarefa. Pois inclui o enfrentamento com as classes conservadoras e a superação do intoxicante pensamento conservador que tolhe o progresso social em nosso país.
Mas o propósito e o compromisso foram colocados para toda a sociedade brasileira. Valorizar o trabalho humano é a única rota possível. Entretanto contra tal meta virão tempestades como as que desabaram sobre os governos Getúlio Vargas, Juscelino e também João Goulart. Foram etapas de redistribuição de renda, de uma forma ou de outra. Os conservadores reagiram por todos os meios. Luís Inácio da Silva teve mais sorte. Conseguiu, sem problemas maiores, expandir consideravelmente o crédito e, de pois de uma estagnação em 2009, acelerar o crescimento do PIB numa escala vitoriosa de 7,5% no ano passado. No mesmo período a taxa de crescimento demográfico foi de 1,2%. Aumentou bem, portanto, a renda per capita, que resulta da divisão do PIB pelo número de habitantes.
No tempo de JK, anos dourados de Gilberto Braga, o PIB crescia à velocidade de 9% a cada doze meses. Na época, entretanto, o índice de natalidade era o dobro do que é hoje. A pílula anticoncepcional só chegaria ao Brasil no início da década de 60. JK não estava mais no Planalto.
Mas Dilma Roussef falou na superação da pobreza, destinando um tom otimista à sua plataforma básica. Fez bem. Este tom é essencial, inclusive como forma de motivar e impulsionar o povo. Nada de ameaças, afirmações dramáticas, culminando numa espécie de fundamentalismo moralista e falsamente salvador. Os dois presidentes que assumiram nesse estilo foram Jânio Quadros e Fernando Collor. Acenavam com a punição, não com a construção. O primeiro renunciou, o seguindo foi derrubado do poder pela CPI da Corrupção.
O país deseja mensagens construtivas. Por isso, sustento que Rousseff foi ao encontro da população não dramatizando com a espada do caos, porém acenando com um apelo de união e de esforço conjunto para ganhar a planície das realizações.
Nada de demissões nos campos produtivos, mas – isso sim – contratações para que o mercado de trabalho, e regime de pleno emprego, possa contribuir de forma decisiva para o ritmo do progresso. Pois ninguém se iluda: só o desenvolvimento com maior produção de bens pode levar à redistribuição de renda capaz de derrotar a pobreza. Acrescentar poder aquisitivo sem oferta crescente de bens, francamente, é impossível. O desafio é este e não outro.
O governo Dilma começa.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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