Foto: Rosinei Coutinho/STF/Arquivo
21 de junho de 2024 | 18:01Mendonça usa informação errada em embate com Barroso sobre drogas no Supremo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça errou ao afirmar que a Corte brasileira seria a primeira do mundo a descriminalizar a maconha.
“Nenhum país fez isso por decisão judicial, nenhum”, afirmou ele de forma contundente ao discutir com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, sobre o tema.
O bate-boca ocorreu no início da sessão que, na quinta (20), analisava uma ação pela descriminalização do porte da droga.
A informação de Mendonça está errada.
Apenas na América Latina, por exemplo, três países descriminalizaram as drogas em decisões do Judiciário: Colômbia, Argentina e México.
À coluna, o ministro disse por meio de nota que desconhecia os fatos.
Afirmou, no entanto, que isso não altera o entendimento dele de que o STF estará passando por cima do legislador se descriminalizar o porte de maconha ou outras drogas. “Isso se trata de ativismo judicial”, disse.
Em 1994, a Corte Constitucional da Colômbia descriminalizou o porte e o uso da maconha e de algumas outras drogas. Governos tentaram rever a decisão, mas ela permanece.
No ano passado, o governo do presidente colombiano Gustavo Petro foi além, e revogou as multas aplicadas a consumidores —embora o porte não seja mais considerado crime, o usuário poderia sofrer sanções econômicas.
Em 2009, a Argentina declarou que o artigo da lei que punia criminalmente pessoas que fossem flagradas com quantidades pequenas de drogas supostamente para consumo pessoal era inconstitucional.
Os magistrados argentinos consideraram que a liberdade individual, desde que não cause danos a outras pessoas, é um direito constitucional.
Disseram ainda entender, com base em tratados internacionais, que o direito à privacidade impede que as pessoas sofram ingerência arbitraria ou abusiva na esfera privada.
“O artigo 19 da Constituição Nacional constitui uma fronteira que protege a liberdade pessoal frente a qualquer intervenção alheia, inclusive a estatal”, disse o presidente da Corte, Ricardo Lorenzetti, na época.
“Cada indivíduo adulto é soberano para tomar decisões livres sobre o estilo de vida que deseja”, completou.
Ainda há debate sobre o tema no país, já que não está definido em lei quem pode ou não ser considerado exclusivamente usuário de droga.
A Suprema Corte do México descriminalizou o uso recreativo privado de cannabis por adultos em 2021. Os mexicanos podem cultivar e consumir a droga, mas seguem proibidos de fumar em público e na frente de crianças.
A discussão entre Barroso e André Mendonça começou quando o presidente da Corte relatava uma ligação do presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Jaime Spengler, em que o religioso manifestou preocupação a respeito do caso.
Barroso disse que ele foi vítima de desinformação sobre o que está em pauta. Mendonça interrompeu e disse que a informação inicial passada a Spengler era correta.
“Eu não acho que ele tenha a informação incorreta, não, acho que a informação é essa mesma. Nós estamos passando por cima do legislador caso essa votação prevaleça com a maioria que hoje está estabelecida. O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito é ultrapassar a vontade do legislador. Nenhum país fez isso por decisão judicial, nenhum”, disse o magistrado.
Barroso então subiu o tom de voz e disse que Mendonça estava falando “a mesma coisa” que ele. O presidente do STF disse que o ministro tinha “todo o direito” de entender que o porte de drogas é um ato ilícito penal, mas que a sua explicação havia sido “absolutamente correta”.
Mônica Bergamo/Folhapress