Perdido com suas ideias fixas e ultrapassadas e seu desejo de revanche, Lula dá sinais de uma fraqueza política incompatível com o papel de indutor da agenda nacional
O número inédito de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) com as quais o governo já tem de lidar antes de completar cinco meses é a evidência cabal de seu desarranjo político e da incapacidade pessoal do presidente Lula da Silva de orientar o rumo da agenda nacional. Se Lula assumiu a Presidência pela terceira vez em 20 anos pensando que levaria o Congresso aonde quisesse apenas na base do gogó e movido pela crença de que apoiá-lo seria quase uma obrigação moral por ter derrotado alguém como Jair Bolsonaro, é bom pensar de novo.
Nada menos que três CPIs foram instaladas na Câmara dos Deputados há poucos dias. A que tem maior potencial para agastar o governo é a chamada CPI do MST, que investigará as invasões de propriedade promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desde o início do ano. Ao associar seu governo ao MST de forma tão descarada, Lula praticamente pediu para ser fustigado por essa CPI na Câmara. E assim será. À frente da CPI do MST estão o deputado bolsonarista Coronel Zucco (Republicanos-RS), como presidente; e, como relator, o deputado e ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PLSP), cuja folha de desserviços à Nação dispensa apresentações.
Outras duas CPIs investigarão, respectivamente, as fraudes envolvendo apostas esportivas e o rombo bilionário na contabilidade das Lojas Americanas. Além dessas, há a CPI Mista dos atos golpistas de 8 de janeiro, que só tem patinado no Congresso porque tanto o governo – em mais uma mostra de quão perdido está – como a oposição, por razões diferentes, parecem pouco dispostos a levá-la adiante.
Quando não colidem frontalmente com os interesses do Palácio do Planalto, como é o caso evidente da CPI do MST, essas comissões têm grande potencial para capturar as atenções do Congresso e da sociedade, desviando o País de uma saudável discussão sobre projetos fundamentais para a retomada do crescimento e da geração de emprego e renda para população. Os parlamentares juram de pés juntos que o andamento das CPIs em nada atrapalhará a tramitação dos projetos que tratam do arcabouço fiscal, da reforma tributária e da regulamentação das Big Techs, entre outros. Pode ser. Mas, como até os azulejos de Athos Bulcão sabem, ninguém em Brasília faz ideia dos rumos que uma CPI, uma vez iniciada, pode tomar.
Eis por que a fraqueza política de Lula para servir como o grande indutor da agenda nacional prejudica tanto o País, além de aumentar sobremaneira o custo de sua própria governabilidade no Congresso. Lula parece absorto por suas ideias fixas e movido por um inequívoco desejo de botar abaixo tudo o que foi feito de bom no País enquanto o PT esteve fora do poder.
Como se ainda estivesse disputando uma eleição, Lula tem deixado a articulação política de lado. Ao menos a articulação política republicana, a concertação em torno de projetos de interesse público. O que Lula tem chamado de “articulação política” tem se resumido, até aqui, à mera distribuição de dinheiro por meio de emendas parlamentares ao Orçamento.
CPIs, evidentemente, são instrumentos legítimos de ação política à disposição das minorias parlamentares em qualquer país democrático no mundo. Entretanto, reconhecer sua legitimidade não significa atestar sua relevância ou pertinência para o momento por que passa o País. As invasões de propriedade promovidas pelo MST, por exemplo, são casos de polícia. A fraude envolvendo apostas esportivas idem. O rombo nas contas das Lojas Americanas e os prejuízos causados aos acionistas e fornecedores decerto haverão de extrapolar o âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ao fim e ao cabo, cada uma dessas CPIs servirá como palco para parlamentares que estão mais preocupados em inflamar as redes sociais e fustigar o governo do que discutir projetos essenciais para o País. Agora, o governo que aguente a balbúrdia resultante de sua desarticulação, cuja origem, convém relembrar, é a absoluta a falta de foco de Lula para apresentar ao País – até agora – um plano de governo digno do nome.
O Estado de São Paulo