William Waack
Estadão
Até aqui o governo brasileiro não parece ter entendido a natureza do conflito na Ucrânia. Ou pretende não entender. Não se trata de ação armada fruto de “um equívoco”, como o presidente Lula descreve a invasão deflagrada por Putin.
Na sua essência, o conflito é parte relevante da contestação da nova ordem mundial que vigorou desde a Segunda Guerra Mundial.
CHINA E RÚSSIA – A ascensão veloz da China ao papel de desafiadora do “hegemon” (EUA), por si só, já seria o grande fator de contestação. É o que faz clássicos do hiper-realismo duvidarem que não venha a ocorrer grave conflito militar entre as superpotências.
Mas tanto China como Rússia “aceleraram” o processo. Ambas enxergam o Ocidente como uma grandeza em declínio. Especialmente Putin, que juntou o velho imperialismo russo de mais de dois séculos com seu entendimento da “decadência moral” dos países ocidentais.
O resultado é uma profunda transformação na qual o que parecia garantido – um regime internacional baseado em respeito a regras e integração cada vez maior de comércio e cadeias produtivas, a tal globalização – está recuando na própria substância.
FIGURAS DE RETÓRICA – Nesse novo contexto, multilateralismo e “governança” global passaram a ser figuras de retórica, às quais o governo brasileiro parece abraçado. Assim, é difícil imaginar um eixo sul-sul, em oposição a um “norte”, quando se percebe que pelo menos dois integrantes dos Brics estão de um lado no conflito, e não apenas na Ucrânia.
A guerra na Ucrânia não é um episódio isolado, diante do qual vamos é ficar quietinhos, aproveitar as oportunidades, tratar de não ofender ninguém e posar de bom moço repetindo platitudes inúteis sobre “paz” e oferecendo-se para negociar entre beligerantes – o caminho trilhado por Lula até aqui.
São forças históricas de imensa amplitude em ação, e que conduzem países como o Brasil (potência média de influência regional) não propriamente a escolher um “lado”. Mas, sim, a optar por um “mundo”.
ERRO DE CÁLCULO – A guerra em curso desmentiu até aqui os cálculos estratégicos de China e Rússia, que presumiam sobretudo incapacidade de ação conjunta e coesão por parte do adversário.
O campo de batalha da Ucrânia demonstrou não só a atual superioridade tecnológica ocidental, que a autocracia chinesa é capaz de superar.
A lição fundamental é a de que sociedades abertas no fundo mudam mais rápido, adaptam-se melhor (a Alemanha abandonou o pacifismo) e têm melhor desempenho na relação entre poder civil e operações militares. O que se explica pelos valores em torno dos quais essas sociedades se desenvolveram e prosperaram. E o Brasil é parte do mundo ocidental.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Excelente análise de William Waack, ao evidenciar a atuação bisonha de Lula, que pensa (?) ser capaz de liderar um cessar-fogo na Ucrânia. “Ah, coitado”!, diria a humorista Gorete Milagres. (C.N.)