Publicado em 29 de março de 2023 por Tribuna da Internet

Montadoras ganham isenções, mas não reduzem os preços
Fernando Jasper
Gazeta do Povo
Os benefícios fiscais para montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste custam cerca de R$ 5 bilhões por ano aos cofres federais e, ao contrário do prometido, não promovem o desenvolvimento regional.
Em vigor há mais de duas décadas, a renúncia bilionária de impostos – que é bancada pelos demais contribuintes brasileiros – teve baixo impacto socioeconômico, em geral restrito a poucos municípios, e não conseguiu descentralizar a indústria automotiva do país.
DIZ A AUDITORIA – Essas são as principais conclusões de uma auditoria conjunta realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) sobre as chamadas Políticas Automotivas de Desenvolvimento Regional (PADR). O relatório, obtido pela Gazeta do Povo, foi analisado pelo plenário do TCU na tarde desta quarta-feira (29) e aprovado por unanimidade pelos nove ministros da Corte.
“As Políticas Automotivas, ao custo de mais de R$ 5 bilhões anuais e mais de R$ 50 bilhões desde 2010, tiveram impacto pequeno e localizado no PIB per capita, no emprego geral e no emprego técnico-científico, não contribuindo assim para o desenvolvimento regional, seu maior objetivo. A instalação das fábricas beneficiárias não resultou em aglomeração industrial ao seu redor, e as empresas compram a maior parte de seus insumos de fornecedores das regiões Sudeste e Sul”, aponta o relatório.
DESDE A ERA FHC – O incentivo fiscal foi implantado no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por duas leis, uma de 1997 e outra de 1999, que garantem crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) às fábricas de veículos e peças das três regiões.
O benefício, que inicialmente duraria até 2010, foi sucessivamente prorrogado pelo Congresso, sem qualquer comprovação de retorno socioeconômico, e agora vale até o fim de 2025.
Segundo a auditoria do TCU e da CGU, entre 2010 e 2021 a União abriu mão de R$ 51 bilhões em impostos de montadoras instaladas nas regiões contempladas, em valores corrigidos pela inflação. Entre 2017 e 2021, a renúncia foi de mais de R$ 5,6 bilhões por ano, em média. “Um custo que é redistribuído para todos os demais pagadores de impostos”, apontam os auditores.
UM EXEMPLO CLARO – No caso da fábrica da Fiat Chrysler (hoje grupo Stellantis) em Goiana (PE), onde são produzidos os modelos da marca Jeep, a renúncia de impostos equivale a R$ 34,4 mil mensais por emprego gerado, “sem que, com isso, tenham ocorrido alterações significativas na realidade socioeconômica desse município”, conforme o relatório.
Esse valor, referente a 2019, diz respeito apenas à desoneração federal, e portanto não inclui renúncias fiscais estaduais e municipais. Naquele ano, segundo a auditoria, a montadora foi beneficiada com pouco mais de R$ 4,6 bilhões em incentivo tributário da União, ou R$ 388 milhões por mês, para um total de 11.258 empregos gerados.
O documento compara o custo relativo da desoneração tributária a outros programas do governo. Enquanto cada emprego gerado pela fábrica da Jeep custa mais de R$ 34 mil por mês aos cofres federais, a despesa por família beneficiada pelo Auxílio Brasil (rebatizado de Bolsa Família) é de R$ 600 mensais. No caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência, o valor é de pouco mais de R$ 1,2 mil por mês.
BAIXO IMPACTO – O baixo impacto socioeconômico foi a regra em todos os territórios que tiveram plantas instaladas sob o lastro dos benefícios tributários, diz o relatório que foi aprovado pelos ministros do TCU.
Além da fábrica da Jeep, desfrutam das desonerações empresas como HPE Automotores, que monta veículos das marcas Mitsubishi e Suzuki em Catalão (GO), e Caoa, fabricante das marcas Hyundai e Chery em Anápolis (GO). A Ford também fez parte do programa, com fábricas da própria marca em Camaçari (BA) e da Troller em Horizonte (CE), mas no fim de 2021 a empresa encerrou parte da produção de veículos no país.
Segundo a auditoria, a política de redução de tributos foi incapaz de promover uma aglomeração industrial no entorno das fábricas. De todos os insumos adquiridos pelas cinco unidades analisadas, 71% são produzidos no Sudeste e 7% no Sul do país, e apenas 22% vêm das três regiões que as políticas automotivas buscam desenvolver.
Outra evidência do impacto limitado do incentivo fiscal é a participação de cada região do país no emprego da indústria automotiva. De acordo com o relatório, a parcela do Nordeste aumentou de 3% para 6% entre 2006 e 2020, mas a participação conjunta das três regiões beneficiadas pela política de desoneração manteve-se em apenas 8%. E o mesmo aumento de 3% ocorreu na fatia da região Sul, que não foi beneficiada pelos programas.
POLÍTICAS AUTOMOTIVAS – No fim de 2022, a equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou a pretensão de reavaliar as renúncias fiscais. Até agora, porém, o governo se limitou a desfazer benefícios criados no ano passado – como a desoneração dos combustíveis – e não apresentou proposta de revisão mais ampla.
Em sentido oposto, Lula acaba de criar mais uma desoneração. Decreto publicado nesta quarta-feira, dia 29, incluiu o segmento de fotovoltaicos, para produção de energia solar, dentro de um programa de apoio à indústria de semicondutores que, em 2023, prevê renúncia fiscal de mais de R$ 600 milhões.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) também quis cortar benefícios, sem sucesso. Aprovada em 2021, em meio à pandemia, a Emenda Constitucional 109 obrigava o Executivo a apresentar um plano para reduzir os incentivos a 2% do PIB até 2029 – menos da metade do nível atual. O plano foi apresentado, mas está parado na Câmara desde então.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Uma matéria impressionante, enviada por Mário Assis Causanilhas, que exibe os privilégios concedidos às montadoras no Brasil. Recebem isenções tributárias, mas não reduzem preços, e os veículos fabricados no Brasil são os mais caros do mundo. Ah, Brasil… (C.N.)