Líder de Lula se alinha a Lira e defende fim das comissões para MPs
Por Cézar Feitoza e Victoria Azevedo | Folhapress
Líder do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) defende que seja mantido o rito de tramitação das MPs (medidas provisórias) estabelecido na pandemia da Covid-19 --ou seja, que as matérias sejam votadas diretamente no plenário, sem passar por análise das comissões mistas.
"Para quem governa, o melhor rito foi o da pandemia. Eu tenho uma opinião e já disse para o governo, para o [líder do governo no Senado, Jaques] Wagner, para o [ministro das Relações Institucionais, Alexandre] Padilha: o rito atual é o melhor", disse Guimarães em entrevista à Folha de S.Paulo.
Ele afirma que defendeu sua posição ao próprio Lula, mas ressalta que o governo "não pode impor nada" aos presidentes Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado). E completa: "Não vamos fazer enfrentamento nem com o Lira nem vamos fazer enfrentamento com o Pacheco".
Com o impasse sobre as MPs, a agenda do governo Lula no Congresso está travada há mais de 50 dias, uma vez que o petista utilizou do mecanismo para criação e retomada de programas como o Minha Casa, Minha Vida, além de mudanças estratégicas na estrutura do governo.
As declarações de Guimarães foram dadas em meio a uma crise entre Lira (PP-AL) e Pacheco (PSD-MG) sobre como as MPs devem ser analisadas.
O impasse tomou maior proporção na quinta-feira (23) com a determinação do Senado pela volta das comissões mistas. Como resposta, Lira afirmou que o assunto não andará "um milímetro" na Câmara, elevou o tom ao colocar em dúvida a liderança de Pacheco no Senado e sugeriu uma sessão do Congresso para solucionar o tema.
As medidas provisórias são editadas pelo presidente da República e entram em vigor imediatamente, mas dependem do aval do Congresso para não perder validade. Câmara e Senado têm até 120 dias para aprovar ou reverter a iniciativa do governo.
A Constituição determina que as MPs devem ser analisadas inicialmente por uma comissão mista; e resoluções internas no Congresso definem que o colegiado deve possuir 12 deputados e 12 senadores.
No início da pandemia, porém, o rito foi alterado para acelerar a análise das medidas provisórias e evitar aglomerações nas reuniões das comissões.
Em ato conjunto das Mesas Diretoras das duas Casas decidiu-se que, durante a emergência de saúde pública, as comissões mistas seriam desinstaladas e as MPs iriam para votação direto no plenário da Câmara. Arthur Lira e os deputados querem manter esse modelo, que, na prática, dá mais poder à Casa.
Guimarães diz ainda que trabalha com a expectativa de que um acordo seja selado para que, após a Páscoa, comecem a ser pautadas as MPs apresentadas por Lula.
No entanto, o parlamentar não responde sobre em que termos essa solução ocorrerá; diz somente que "falta pouco" para um entendimento. "Ao final, há que prevalecer o bom senso. Há de ter um diálogo forte com os dois presidentes na busca de um entendimento que preserve a prerrogativa das duas Casas. Não acho essa crise boa para o país."
"O Lira e o Pacheco são quem têm que resolver a bronca, não somos nós. Nós estamos dialogando, ajudando, mostrando os caminhos", continua.
Líderes do centrão têm usado o impasse sobre o rito das medidas provisórias no Congresso para reforçar o recado ao Planalto de insatisfação com a articulação política do governo. Uma das principais reclamações é sobre a falta de perspectiva para o início da liberação das emendas deste ano.
Integrantes do governo relataram à reportagem que a estratégia do Planalto é liberar, a partir desta semana, o pagamento de emendas parlamentares de 2022 que ainda não foram executadas, recurso conhecido como restos a pagar.
As emendas deste ano ou os recursos oriundos de acordo político entre o Congresso e o governo, porém, devem ser liberados próximos de votações importantes para o Executivo.
"Nós vamos liberar [as emendas] de acordo com as condições normais de temperatura e pressão. Não precisa dizer como é que vamos fazer. Existe um orçamento, é transparente. O deputado tem restos a pagar. Nós sabemos quem são. E o governo vai fazer porque é um direito", afirma Guimarães.
Ao ser questionado sobre declarações do líder da União Brasil, deputado Elmar Nascimento (BA), de que o partido não será base do governo Lula, apesar de ter três ministros indicados, Guimarães minimiza e diz apostar que a legenda "virá para o governo".
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Elmar disse também que o Planalto deveria acelerar a distribuição de emendas parlamentares. Sobre isso, Guimarães minimiza: "É natural, [os deputados] reclamam, não faz mal a ninguém, não. Às vezes é até um alerta para nós que governamos. Faz parte do jogo".
O líder do governo Lula, no entanto, diz que os partidos que integram a Esplanada precisam entender que há ônus e bônus em se aliar ao Executivo. Ele indica ainda que o governo não descarta realizar uma reforma ministerial caso os partidos da base não entreguem os votos.
"Eu tenho conversado muito com o Elmar Nascimento, com todos os líderes aqui (...) Eles querem participar do governo. Se, ao final, essas questões não se realizarem, aí se rediscute quem fica, quem sai do governo. Acho que é um processo que ainda está em construção", completa.
Guimarães defende ainda a atuação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Ele diz que o ministro conta com o apoio da Câmara e que o petista estabeleceu um "caminho muito virtuoso" com Lira ao se tratar do novo arcabouço fiscal.
"Vai ter gente que vai se posicionar contra, reclamar disso ou daquilo. Tem gente no PT que vai ficar contra, enfim, sei lá quem, mas o fato é que quem fala, dirige e comanda pelo governo, na hora em que o governo definir, é o ministro Haddad. É isso que está acertado na Câmara."
Ele também tece críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ainda que sem citá-lo nominalmente; e afirma que "ninguém pode achar natural" a atual taxa de juros. Para Guimarães, a instituição financeira "não é maior que o país ou que o resultado das urnas".
"Precisa ter uma sintonia minimamente. A chamada autonomia do Banco Central não dá direito à autoridade monetária pensar olhando para cima. Tem que pensar no país, na situação econômica, no esforço do ministro. Nunca vi um ministro da Economia fazer tanto esforço para resolver o fiscal do país como o Haddad", diz.