Carlos Newton
Quando uma ópera, uma peça teatral, um balé ou um musical arrebata o público na estreia, ao final o público grita: “O autor! O autor!”, chamando-o ao palco para também ser aplaudido. Esse grandioso costume teatral pode ser adaptado ao inverso, no caso do discurso do Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira, dia 22.
Ficou claríssimo que o Planalto precisa urgentemente arranjar um novo ghost-writer para o presidente da República, pois o amadorismo de seu pronunciamento foi vergonhoso para o Brasil.
INCOMPETÊNCIA – Quando se redige um discurso, a primeira preocupação precisa ser o público ao qual é dirigido. No caso, os governantes e embaixadores dos países-membros da ONU.
Em função do público, então escolhem-se os assuntos que a eles interessam. E, no momento, só há três problemas relacionados ao Brasil que preocupam o mundo inteiro – a questão da Amazônia e do meio ambiente, o impacto da covid no Brasil e a crise econômica resultante da pandemia.
O discurso de Bolsonaro abordou esses três assuntos principais, porém de maneira amadorística e pouco diplomática, perdendo uma chance de ouro para reduzir a pressão internacional.
UM PAIS REFLORESTADOR – Ao invés dessa bobajada de dizer que os incêndios no Pantanal e na Amazônia vêm sendo usados numa “brutal campanha de desinformação” com o objetivo de atacar seu governo, e que o apoio de instituições internacionais a esta suposta campanha é explicado pela riqueza dos biomas brasileiros, Bolsonaro deveria ter convidado todos os governantes e embaixadores a visitar o Brasil, para entenderem que é hoje o país que mais está reflorestando em todo o mundo.
Deveria explicar que isso se deve ao Código Florestal mais moderno do mundo, que obriga as propriedades rurais a reflorestar 80% de sua área na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nas outras regiões do país. Não existe nada igual em nenhum outro país.
AS PESADAS MULTAS – Ao mesmo tempo, o presidente deixou de relatar o valor das pesadas multas que vêm sendo aplicadas aos produtores rurais que descumprem a lei. São números que impressionam, mas o ghost-writer de Bolsonaro os desconhece, e o pequeno príncipe de Saint-Exupéry já nos ensinou que “gente grande gosta de números”…
E o pior foi ter afirmado que os focos criminosos de incêndio têm sido combatidos e que a propagação do fogo está relacionada à queimadas feitas por caboclos e indígenas.
“Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”, alegou, infantilmente.
SEM CULPAR A IMPRENSA – Da mesma forma, Bolsonaro não deveria ter culpado a imprensa pela gravidade da covid-19 no Brasil. Seria melhor ter explicado que as precárias condições de moradia de grande parte da população facilitam o contágio da pandemia, a situação é diferente em relação aos países mais desenvolvidos, que também foram durante atacados.
Mas Bolsonaro tem o ghost-writer que merece. Ao invés de contribuir para reduzir a pressão internacional sobre o Brasil, o redator providenciou um discurso rancoroso e pueril, recheado de teorias conspiratórias.
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P.S. – Lembro que Juscelino tinha vários ghost-writers de primeira categoria, como Augusto Frederico Schmidt, Helio Fernandes e Fernando Leite Mendes. O presidente Sarney contava com Saulo Ramos, Joaquim Campelo e Virgílio Costa. E o presidente atual tem um redator tão inexpressivo que ninguém sabe quem é, apenas um eterno desconhecido, como no genial filme do italiano Mario Monicelli. (C.N.)