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Pedro CanárioSite Conjur
Segundo o juiz Mauro Cesar Garcia Patini, da Vara Federal de Cáceres (MT), o acordo deu a membros do MP poderes que nem a Constituição ou qualquer lei jamais deu. Entre as inconstitucionalidades, a violação ao princípio acusatório, à reserva de jurisdição e ao princípio da legalidade.
O acordo foi criado em agosto de 2017 pelo CNMP, por iniciativa do então procurador-geral da República Rodrigo Janot. A resolução que o prevê, na verdade, cria o “procedimento investigatório criminal”, espécie de inquérito “sumário e desburocratizado de natureza inquisitorial” tocado apenas pelo MP, sem passar pelo juiz, e sempre sigiloso.
AUTONOMIA – É o artigo 18 da resolução que cria o “acordo de não persecução penal”, para os casos de acusados de crimes sem violência ou grave ameaça confessarem e repararem as vítimas. Esses acordos permitem ao MP não oferecer denúncia e definir quais devem ser as condições oferecidas em troca da confissão.
Caso o juiz discorde, continua a resolução, deve comunicar a autoridade superior do MP ou ao próprio procurador-geral, para que tome alguma providência.
Tudo isso é criação de Janot e extrapola as atribuições do CNMP, afirma o juiz Mauro Patini, em decisão do dia 16 de outubro. Na decisão, ele declarou inconstitucional um acordo firmado entre o procurador da República de Cáceres um homem acusado de falsificação de documento.
SEM COMPETÊNCIA – Segundo o magistrado, o artigo 130-A, parágrafo 2º da Constituição, diz que as atribuições do CNMP são de “controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público”. Não faz parte das competências do órgão, portanto, a criação de figuras processuais penais, muito menos dizer o que o juiz deve fazer, por meio de resolução.
“Seria extremante danoso e nefasto caso houvesse uma concentração, num único órgão, das funções de acusar, julgar e punir ao mesmo tempo”, afirma o juiz, na decisão.
De uma tacada só, diz Mauro Patini, a resolução do CNMP driblou o Legislativo e tirou do Executivo o poder de veto das propostas de lei que considere inconstitucionais ou “contrárias ao interesse público”. Na opinião do juiz, a resolução tenta usar da titularidade da ação penal, que a Constituição de fato dá ao MP, para dar aos membros da instituição o “direito de punir” — que é reservado ao Judiciário, conforme o princípio constitucional da separação de poderes.
CONSTITUIÇÃO – “Quando da promulgação da Constituição Federal em 1988, muito foi celebrado da proibição do juiz de iniciar uma ação penal que ele próprio iria instruir e julgar”, lembra o juiz. “Fazer o raciocínio inverso, após longos 30 anos, agora concentrando funções nas mãos do MP de acusação, julgamento (sem defesa técnica) e aplicação de penas — ainda que não privativas de liberdade, mas ainda penas —, seria retroagir na tutela de direitos e garantias individuais.”
Os argumentos do juiz são semelhantes aos levados ao Supremo Tribunal Federal pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pelo Conselho Federal da OAB.
Numa ação direta de inconstitucionalidade, a AMB afirma que a resolução deu ao Ministério Público poderes privativos do Judiciário. Entre eles, definir qual deve ser a punição a quem comete crimes ou estabelecer um rito processual para o juiz, caso ele discorde do acordo proposto pelo promotor do caso.
DIZ A OAB – Já a OAB afirma que o acordo está no contexto do “procedimento investigatório criminal”, que, segundo a resolução do CNMP, tem “natureza inquisitorial”. Isso quer dizer, segundo a Ordem, que o procedimento é tocado unicamente pela acusação, sem a presença de um advogado ou publicidade do processo.
Permitir que o promotor faça “acordos de não persecução” dentro de um procedimento de investigação inquisitorial seria dar ao MP poderes que a Constituição não deu.
As ações ainda não foram julgadas. Ambas são de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. do Supremo Tribunal Federal.
(reportagem enviada por Carlos Frederico Alverga)