Por Eduardo Silveira Netto Nunes 13/11/2006 às 18:54
Ação penal contra Professor Emir Sader
Criminalização do direito de crítica
Democracia com liberdade de pensamento e crítica
Silêncio e repressão X Liberdade de crítica, pensamento e expressão
Um senador x Um professor
A democracia brasileira, na sua curta, mas trabalhosa experiência de construção tem procurado definir fisionomias institucionais, instrumentos para efetivação da cidadania ativa, participação política e social dos brasileiros na delimitação das iniciativas públicas, critérios de legitimação política para a assunção à gestão do poder estatal (eleições, referendos, plebiscitos ? estes dois pouco utilizados diga-se de passagem ? , concursos públicos).
Sabemos bem que, em termos legais e retóricos, nossa democracia funda-se na legalidade, na soberania do poder popular, ou dos cidadãos, e na garantia dos direitos individuais e coletivos, dentre os quais incluem-se o direito à liberdade de pensamento e de opinião. Pois bem, esses direitos na história do Brasil recente (falo especialmente da Ditadura Cívico-Militar de 1964) foram sistematicamente usurpados, silenciados e restringidos, e na história dos regimes autoritários sempre foram objetos privilegiados de profundas censuras e violações. A violência a tais direitos manifestava-se geralmente na prisão, censura, agressão dos pensadores, críticos, artistas e ativistas sociais. Uma face dramática disso na Ditadura de 1964 foi a constante vigilância sobre o ambiente, os professores e estudantes universitários, berço comum do pensamento crítico. A materialização dessa vigilância expressou-se em inúmeras e massivas cassações e aposentadorias compulsórias sobretudo de professores das Universidades Públicas, críticos do regime ditatorial então vigente.
Com a redemocratização do país na década de 1980, trouxe novamente o revigoramento da crítica social em tais Universidades, também porque os então professores cassados puderam reassumir o lugar a que tinham direito. Exatamente a autonomia da Universidade, que se expressa pelo direito à liberdade da crítica, representa um ponto fundamental e central para existência, manifestação e construção democrática do país e de qualquer regime político-social que se pretenda fundar nesse princípio.
Fatos recentes envolvendo a condenação penal do crítico social, pesquisador, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, conhecido por suas posições públicas marcadamente de esquerda democrática, Emir Sader, em processo de injúriamação movido pelo Senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), junto à Justiça Federal de São Paulo, recolocam na cena pública o debate sobre a veracidade da dimensão democrática de nosso sistema institucional (executivo, legislativo, e especialmente judiciário).
Rememorando os acontecimentos. No período das denúncias de mensalão, de caixa dois, de compra de votos e mais tarde do caso dos sangue-sugas envolvendo o Governo Federal e o Partido dos Trabalhadores, o Senador teria dito uma frase que repercutiu na sociedade e que se resumiria na afirmação de que o país estaria livre por décadas dessa ?raça?, subentendendo-se tratar-se dos partidários do Governo e do PT. Motivado por isso, o professor Emir Sader escreveu artigo publicado em Carta Maior (www.cartamaior.com.br) criticando frontalmente tais afirmações. Esse artigo teria provocado no Senador contrariedade, e se sentindo ofendido recorreu ao judiciário pedindo a condenação de Emir Sader pelo crime de injúria.
O processo penal correu ligeiramente em São Paulo, e a decisão foi publicada dias atrás condenando o professor Emir Sader à prestação de serviços comunitários. Além disso, a caneta do Juiz foi empunhada com um temerário rigor: Sader foi sentenciado à perda da função de professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
O direito de criticar e a liberdade de pensamento deveria ser um direito valorizado e extensível a todos os cidadãos, e compreende o direito de emitir opiniões e idéias. Sobre essa opiniões e idéias, obviamente, há também o direito de solicitar retratação daquele que se sentiu lesado por elas. Entretanto, no caso específico, de Sader e Bornhausen, um e outro exerceram seus direitos, o primeiro de criticar, o segundo de pedir retratação ou punição. Mas há um mundo de fatores que permearam o exercício de tais direitos e a decorrente condenação de Sader, e, infelizmente esses, ainda fazem de nossa democracia um sistema marcado pela idéias autoritárias e censoras do pensamento crítico, tonalizado por um revanchismo silencioso incrustado nas estruturas decisórias e de poder burocrático-judicial.
O processo de injúria contra o professor Emir Sader tramitou com uma celeridade extraordinária, quando comparado com o andamento normal dos demais processos judiciais. A sentença, ainda que se verificasse que Sader ?excedeu? seu direito de crítica, não contentou-se em condená-lo a um ano de prestação de serviços à comunidade, determinou a perda da função pública do emérito professor, fazendo relembrar os tristes anos de nossa Ditadura de 1964.
A gravidade da sentença, em minha opinião, está nos dois aspectos, mas principalmente no segundo, pois deixa evidente ou subentendido um claro viés censor, autoritário, vingativo ao direito de crítica e à liberdade de pensamento, criminalizando a sua prática, além de colocar sob aura do medo o exercício da função de professor Universitário, de crítico social, de pesquisador. Isso porque a condenação de Sader é claramente desproporcional ao suposto ?delito? cometido. O ranço autoritário está vivo, a isso temos que estar atentos. Em regimes autoritários a cassação de um professor procurava atacar a autonomia Universitária, a liberdade de docência, de crítica e de pensamento. Na nossa democracia, vemos triste e revoltadamente, que a cassação de um professor se dá por suas opiniões e críticas políticas.
Mas a esperança ainda persiste isso porque o próprio Ministério Público ingressou com recurso judicial pedido a anulação do processo pela inconsistência das acusações e da sentença. Para ver mais sobre o assunto consultar: www.cartamaior.com.br Para manifestações de solidariedade ao professor ver http://www.petitiononline.com/emir/petition.html
Eduardo Silveira Netto Nunes
edunettonunes@hotmail.com
Doutorando em História Social-USP, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais
Email:: edunettonunes@hotmail.com
>>Adicione um comentário
© Copyleft http://www.midiaindependente.org:
É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.
Certificado Lei geral de proteção de dados
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Em destaque
Para rebater críticas, Pimenta diz que não é inimigo do governador Eduardo Leite
Publicado em 15 de maio de 2024 por Tribuna da Internet Facebook Twitter WhatsApp Email Lula se livrou de Pimenta, que não ficará mais no Pl...
Mais visitadas
-
A denúncia que trouxeram-me agora à noite é extremamente preocupante e revela uma situação alarmante no sistema de saúde de Jeremoabo. A ...
-
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 0600512-30.2020.6.05.0051 (PJe) - JEREMOABO - BAHIA RELATOR...
-
. Na Sessão de julgamento do recurso de Tista de Deda o seu advogado não compareceu para fazer a sustentação oral. É importante frisar que ...
-
Foto Divulgação _ Instagram O caso envolvendo os recursos movidos pelo PSD de Anabel pela cassação ...
-
A frase "Mais uma decisão prova que sobrevivem juízes em Berlim" é um reconhecimento de que a justiça e o respeito à lei ainda pre...
-
Estou reproduzindo a decepção de um ex-aluno do Colégio Municipal São João Batista, residente noutro estado, porém, que ao retornar a cidade...
-
A Demolição do Parque de Exposições: Entre a Necessidade de Educação e a Perda de um Espaço CulturalA demolição ilegal de um Parque de Exposição se configura como uma ação que vai contra as leis do país e as leis municipais e representa uma...
-
É com pesar que comunicamos que ontem, 14/05/2024, faleceu o senhor Carlos Humberto Bartilotti Lima, nascido em 09.05.1955, conhecido como...
-
Foto Divulgação - WhatsApp Excelentíssima Senhora Promotora de Justiça da 6ª Promotoria da Cidade de Paulo Afonso...
-
. . A demolição da primeira casa de Jeremoabo, residência oficial da cidade quando ainda era uma freguesia (1718), representa um ato de p...
Nenhum comentário:
Postar um comentário