Dora Kramer
Folha
Os preparativos para a entrada oficial do Centrão no governo exibem movimentos interessantes. A negativa do presidente Luiz Inácio da Silva, por exemplo, sobre a inexistência do bloco. “O Centrão não existe”, pontificou.
Ora, não apenas existe como detém a maioria dos votos no Congresso, matéria-prima de interesse do Planalto. Trata-se, no entanto, de uma aquisição que demanda compensações à esquerda pela perda de um antagonista de estimação.
TROCAS DE INSULTOS – Na falta desse antagonista, há sempre à disposição Jair Bolsonaro para trocas de insultos (a mais recente acerca de jumentos) com Lula ou um Roberto Campos Neto a quem se pode chamar de “capacho” e “lacaio” do capital sem maiores consequências.
Fica bonito na foto para a arquibancada. Distrai a torcida enquanto se negociam ministérios ao arrepio da qualificação profissional dos candidatos e se jogam ministros na bacia das almas, expostos ao entra e sai de frigideiras sob a alegação de que não têm votos.
Quem os têm é o Centrão, que está mais vivo do que nunca. Daqui deste canto, nada contra deputados e senadores escolhidos de maneira limpa e legítima para representar seus eleitores. Quem se encabula da convivência é quem lhes nega a existência mediante um reposicionamento de marca para justificar a união.
DOIS EXEMPLOS – Dessa espécie de política compensatória há mais dois exemplos recentes. A imposição de Marcio Pochmann para a presidência do IBGE, estranho no ninho da equipe e visto na área econômica como um ideólogo da obsolescência.
Outro, a bravata presidencial sobre a extinção dos clubes de tiro, rapidamente legendada pelo ministro da Justiça em tradução para fechamento dos estabelecimentos “ilegais”. E a direita logo se apropriou de argumento (falso) para combater o pacote das armas.
A arte do equilibrismo de resultados requer destreza para não deixar que o Centrão entre por uma porta e o juízo saia pela outra.