Pedro do Coutto
O presidente Lula da Silva, em declarações feitas na Itália, voltou a atacar fortemente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela decisão de manter a taxa de juros da Selic em 13,754% ao ano, o que significa juros reais de quase 10%, pois a inflação dos últimos 12 meses foi de quatro pontos percentuais, de acordo com o IBGE. O ministro Fernando Haddad acompanhou o presidente nas críticas e acentuou que a manutenção dos juros nessa absurda escala prejudica amplamente o projeto de arcabouço fiscal.
Lula assinalou ainda que “esse cidadão está atuando contra a economia brasileira, tornando irracional o que está acontecendo no país”, referindo-se a Campos Neto. Ampla reportagem de Manuel Ventura, O Globo, destaca as reações do governo contra a política mantida por Campos Neto. Ele foi nomeado por Jair Bolsonaro e seu mandato termina em 2024. Lula frisou que a culpa pela manutenção de Campos Neto é dos senadores, pois pela lei em vigor só o Senado poderá afastá-lo antes do término do seu mandato.
RETRAÇÃO – Os juros altos estão contribuindo para a retração da atividade econômica de modo geral, o que se reflete no fechamento de centenas de lojas comerciais nos últimos 12 meses, conforme destaca Letícia Cardoso em reportagem também na edição de ontem de O Globo. Até o Magazine Luiza que lidera o comércio varejista fechou mais de 90 lojas no país nos últimos 12 meses.
No período de maio de 2022 a maio de 2023, as ações da empresa caíram 22%. A rede Marisa fechou, também em decorrência da retração, praticamente cem unidades comerciais. A consequência do fechamento de lojas comerciais, evidentemente, influi no nível de emprego, reduzindo os postos de trabalho substancialmente. E não só reduzindo, mas bloqueando o acesso de jovens aos setores do comércio.
Logo, os resultados em cadeia da manutenção dos juros em 13,75% ao ano são profundamente negativos. A impressão que tenho é que o presidente Lula da Silva tentará uma investida através do Senado contra a permanência de Roberto Campos Neto.
CONFLITO – De fato, autonomia e independência do BC não podem significar a base de um conflito político intenso como o que está atingindo o governo do país. Autonomia e independência não são sinônimos de uma divergência fundamental na política pública. Se assim fosse, o presidente do Banco Central não precisaria ser nomeado pelo presidente da República.
A questão essencial é que o BC tem que atuar como instrumento de desenvolvimento econômico e não pode se transformar sob qualquer hipótese numa plataforma contrária ao governo do país. Da mesma forma que o governo não pode manter um ministro que se oponha à orientação do Planalto, a permanência de Roberto Campos Neto no cargo representa uma contradição e um impasse.
A autonomia do Bacen está atribuindo a ele, banco, um poder superior ao do presidente da República, um grande absurdo. Por outro lado, a atitude de Roberto Campos Neto, sem dúvida, é desafiadora. Ele, inclusive, não abre nenhuma perspectiva para a redução dos juros. Ao contrário. Campos Neto insiste e até acredita que se emociona com sua postura contra Lula, contra Haddad, contra Simone Tebet.
POSIÇÃO INTERNACIONAL – Com isso, além de tornar difícil a política econômica do Planalto, contribui de forma exagerada para abalar a posição internacional do Brasil. Afinal de contas, como o sistema internacional pode interpretar uma situação nacional em que o presidente do Banco Central se opõe de forma tenaz ao Palácio do Planalto e se julga em condições de ditar uma política monetária que se choca com a política econômica do governo e do país ?
A situação de Roberto Campos Neto cada dia se torna mais difícil e o desfecho da crise entre ele e Lula se aproxima, o que deverá ocorrer imediatamente após, calculo, a perspectiva dominante de que o Tribunal Superior Eleitoral tornará Bolsonaro inelegível. O PL e o bolsonarismo partirão em busca de outro candidato para 2026. Na estrada para essa busca, Campos Neto ficará para trás.