Por muitos anos, achava-se que alguns humanos desenvolveram a capacidade de digerir a lactose permanentemente depois que começaram a beber leite de animais. Um novo estudo aponta para uma história diferente.
Por Esteban Pardo
Há uma boa chance que você tenha intolerância à lactose – e você não está sozinho. Apenas um terço dos humanos consegue atualmente digerir esse açúcar presente no leite, e há 5 mil anos esse percentual era ainda menor.
Uma pesquisa
publicada na quarta-feira (27/07) na revista Nature, realizada por pesquisadores da University of Bristol e da University College London, descobriu que a capacidade de algumas pessoas de digerir a lactose tornou-se mais comum cerca de 5 mil anos depois dos primeiros sinais de consumo de leite humano, que datam aproximadamente do ano 6.000 a.C.
Usando novos métodos de modelagem computadorizada, eles também descobriram que o consumo de leite não foi o motivo para o aumento da tolerância à lactose entre os humanos.
"O leite não ajudou em nada", afirmou Mark Thomas, um dos autores do estudo e pesquisador da University College London, à DW. "Estou empolgado com o método de modelagem estatística que desenvolvemos. Até onde sei, ninguém fez isso antes."
O que é intolerância à lactose?
Todos os bebês podem digerir a lactose normalmente. Mas, para a maioria deles, essa capacidade começa a diminuir depois que param de consumir leite materno.
Cerca de dois terços das pessoas são lactase não persistentes, o que significa que elas perdem ao longo da vida a capacidade de digerir a lactose, o principal açúcar do leite.
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As pessoas que são lactase não persistentes não produzem a enzima lactase, que decompõe a lactose. Quando essa enzima está ausente, a lactose chega até o cólon, no intestino, onde bactérias alimentam-se dela.
Isso pode causar efeitos colaterais desagradáveis, como cólica, flatulência ou diarreia, alguns dos sintomas da intolerância à lactose.
Análise de DNA e histórico médico
Os resultados da pesquisa são contrários a uma crença generalizada de que o consumo de leite por nossos ancestrais pré-históricos levou à evolução de uma variação genética que lhes permitiu digerir a lactose na idade adulta.
Essa suposição pode ser parcialmente atribuída à comercialização dos supostos benefícios à saúde da tolerância à lactose. Por anos, a indústria do leite, médicos e nutricionistas apresentaram o leite e os laticínios como importantes suplementos de vitamina D e cálcio.
Os pesquisadores descartaram essa ideia depois de analisar um enorme conjunto de DNAs e de informações médicas de pessoas no Reino Unido. Eles descobriram que ser ou não tolerante à lactose tinha pouco efeito sobre a saúde das pessoas, seus níveis de cálcio ou se elas bebiam leite ou não, disse Thomas.
Por que a persistência da lactase evoluiu?
Estudos genéticos mostram que a persistência da lactase é "a característica genética única mais fortemente selecionada que evoluiu nos últimos 10 mil anos", disse Thomas.
Por volta do ano 1.000 a.C., 5 mil anos após começarmos a consumir leite de animais, o número de humanos com capacidade de digerir a lactose, que está codificada em um gene, começou a aumentar rapidamente.
Depois de descobrir que o consumo de leite não estava por trás desse crescimento acelerado, os pesquisadores testaram duas hipóteses alternativas.
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Uma hipótese era que, quando os humanos ficaram expostos a mais doenças, os sintomas de intolerância à lactose combinados com os novos patógenos poderiam se tornar mortais.
"Sabemos que a exposição a patógenos cresceu nos últimos 10 mil anos, à medida que as densidades populacionais aumentavam e as pessoas viviam mais perto de seus animais domésticos", disse Thomas.
A outra hipótese tinha a ver com a fome. Quando as colheitas plantadas por populações pré-históricas intolerantes à lactose não vingavam, o leite e os produtos lácteos se tornaram algumas de suas únicas opções de alimentação.
"Se você é uma pessoa saudável, você fica com diarreia. É embaraçoso. Se você está gravemente desnutrido e contrai uma diarreia, há uma boa chance de que você irá morrer", disse Thomas.
Os pesquisadores usaram os mesmos métodos de modelagem computadorizada para examinar se essas ideias poderiam explicar melhor a evolução da persistência da lactase.
"E eles explicaram muito, muito melhor", disse Thomas. "Todas essas teorias que, em última análise, relacionam-se ao uso do leite não parecem úteis".
O estudo concentrou-se principalmente nas populações europeias, e seriam necessárias mais pesquisas para populações de outros continentes.
Deutsche Welle