Deu em O Globo
Pouco lembrado quando o assunto é devastação florestal, Mato Grosso foi no primeiro semestre o estado com o maior número de queimadas na Amazônia — 70% dos 5.200 focos detectados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Muitos deles são de responsabilidade de agricultores que usam o fogo para preparar o campo para o cultivo.
Mas o descaso com o meio ambiente vai além da atividade predatória e chega aos gabinetes políticos. A Assembleia Legislativa em Cuiabá acaba de aprovar Projeto de Lei para permitir a criação extensiva de gado, a exploração do ecoturismo e do turismo rural em reservas legais no Pantanal, sob a oposição de ambientalistas.
RESPALDO DA EMBRAPA? – O presidente da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais da Assembleia, deputado Carlos Avallone (PSDB), garante que as alterações feitas na Lei do Pantanal têm respaldo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Não é bem assim. Nota técnica da empresa informa que o uso de reserva legal só deveria ocorrer em áreas de campo e Cerrado, apenas entre abril e junho, restrições que não constam do projeto aprovado.
O meio ambiente mato-grossense também corre risco no Congresso. Tramita Projeto de Lei do deputado Juarez Costa (MDB-MT) para retirar o estado da Amazônia Legal. Caso seja aprovado, a obrigatoriedade de manter como reserva 80% da floresta cairia para 20% e, segundo Herman Oliveira, secretário executivo do Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente, haveria uma anistia para crimes ambientais.
ÀS ESCONDIDAS – O que acontece com o meio ambiente em Mato Grosso termina ofuscado pela devastação metódica em curso no Pará e no Amazonas, responsabilidade de madeireiros e garimpeiros ilegais que atuam praticamente sem fiscalização durante o governo Bolsonaro.
Com a maior área destinada ao cultivo de grãos e a mais elevada produtividade do país, o estado é um caso de sucesso no agronegócio e um desafio a quem defende a convivência da preservação com o cultivo da terra.
Como mostra reportagem do GLOBO, Mato Grosso converteu 13,7 milhões de hectares de floresta em pastos e áreas para o plantio de grãos a partir da metade da década de 1980, de acordo com dados do MapBiomas. Agora surgiu um novo ciclo de pressão para ampliar espaço para agricultura e pecuária.
OCUPAÇÃO ILEGAL – “Mesmo tendo fazendas aptas a abastecer o mercado internacional, muitos ocupam ilegalmente novas áreas para desmatar”, diz Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Repete-se o conhecido enredo da destruição ambiental, apesar de ser sabido que o Brasil pode ampliar sua produção agrícola por ganhos de produtividade, com a recuperação de áreas desmatadas e sem destruir florestas e outros biomas. Mato Grosso ainda abriga 30,9 milhões de hectares da Floresta Amazônica, mas parte está degradada pela exploração de madeiras cobiçadas no mercado. Do território, 21% estão protegidos por lei como reservas indígenas ou ambientais — mas não livres da exploração predatória.
Com três bacias hidrográficas — do Amazonas, do Prata e do Tocantins-Araguaia —, Mato Grosso é crucial para o Pantanal, para o Sul-Sudeste e abastece o Aquífero Guarani, que se estende por Paraguai, Argentina e Uruguai. É inadmissível que a legislação torne o meio ambiente no Pantanal ainda mais vulnerável.