Aras, Lindôra
Enterro da CPI da Covid municia discurso negacionista
Por Alvaro Costa e Silva
Com senso de oportunidade, como se fizessem parte do mesmo time, a PGR e Bolsonaro anteciparam-se aos debates sobre a atuação do governo durante a pandemia. Respaldado pela decisão da vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, de arquivar as principais frentes de investigação da CPI da Covid, o presidente partiu para o ataque antes de ser atacado.
Em visita fora da agenda oficial à sede do Conselho Federal de Medicina, exaltou as ações do Planalto, mesmo sendo o Brasil o segundo país campeão de mortes no mundo (mais de 670 mil pessoas), e voltou a defender o uso da cloroquina, remédio comprovadamente ineficaz contra a doença: "Nunca me vacinei e estou vivo até hoje". Os médicos presentes ao encontro aplaudiram e, de alguns trechos do discurso, acharam graça, repetindo a claque dos acéfalos do cercadinho.
Feita no início de julho pelo Instituto da Democracia, uma pesquisa mostrou que 60% dos brasileiros perderam algum parente ou amigo próximo para a Covid, situação que, aliada ao fracasso do projeto econômico de Paulo Guedes e ao golpismo fardado, pode explicar a rejeição a Bolsonaro (53%, segundo o Datafolha), hoje maior que o antipetismo dos eleitores.
Em sua manifestação, Lindôra Araújo —"cantada" para assumir a PGR, se Bolsonaro conseguir a reeleição— apontou que o papel da CPI teve caráter político. Ora, o presidente não fez outra coisa senão agir politicamente. A carroça da cloroquina ("tomando no início dos sintomas, 100% de cura", garantia o charlatão) tinha o objetivo de empurrar a população, sob risco de contágio, para o trabalho, reduzindo os danos na economia —ao contrário das recomendações de distanciamento social.
Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde que eram médicos e botou na pasta um general que não sabia o que era o SUS. General, aliás, que é candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Mas não era política, era milagre.
Folha de São Paulo