As similaridades entre Hugo Chávez e Jair Bolsonaro vão além do estilo populista e nacionalista demonstrado por ambos
Por Carlos Góes (foto)
Você provavelmente já ouviu o termo “bolsochavismo” antes. Mas, antes que você feche as portas para essa ideia, eu peço alguns minutos de sua atenção. Esta coluna busca entender se o silogismo faz sentido.
À primeira vista, uma comparação entre Hugo Chávez e Jair Bolsonaro pode parecer esdrúxula. Chávez entrou para história como um líder de esquerda, que se dizia marxista e levou adiante o “socialismo do Século XXI”. Já Bolsonaro parece ser o oposto de tudo isso: alguém de direita e antissocialista.
Claramente, Bolsonaro e Chávez não são iguais em seus ideários. Contudo, há consonâncias em seus métodos de governo, histórias pessoais e estilo de fazer política.
De partida, tanto Bolsonaro quanto Chávez são militares e começaram suas carreiras políticas dentro do exército.
O capitão do exército brasileiro formou-se em Agulhas Negras durante a ditadura brasileira e teve como seu primeiro ato político a escrita de um manifesto por melhores salários dos militares. Logo depois, planejou a operação Beco Sem Saída, em que supostamente arquitetou plantar bombas em quartéis como protesto contra os baixos salários.
O tenente-coronel do exército venezuelano formou-se na Academia Militar de lá. Dentro do Exército, criaria o Movimento Bolivariano Revolucionário 200, que arquitetaria um golpe de estado frustrado contra a democracia venezuelana, em 1992.
A cooptação das Forças Armadas dos respectivos países é algo que tanto Bolsonaro quanto Chávez buscaram enquanto presidentes.
O chavismo aumentou em muito o orçamento das Forças Armadas. Os militares com maior proximidade ao governo faziam parte de uma elite conhecida como “boliburgueses”, com acesso ao dólar pelo câmbio oficial, muito subvalorizado, e que por isso desfrutavam de uma qualidade de vida pouco acessível para o venezuelano comum.
O bolsonarismo também deu privilégios aos militares. Além de retirar a categoria dos ajustes da Reforma da Previdência, que atingiu todos os outros funcionários públicos, o governo federal aumentou os salários de militares e policiais federais.
Como já mostrado nestas páginas (“Funcionalismo na década perdida”), estas carreiras foram uma das poucas com ganhos reais de salário na última década.
Um terceiro paralelo entre os dois regimes é o esforço para armar seus partidários.
No Brasil, o número de registro de armas subiu quase 600% desde o começo do governo Bolsonaro. Esse aumento se dá sob o pano de fundo de episódios de violência política banalizada, como o caso do bolsonarista que matou um petista que celebrava seu aniversário com a temática homenageando Lula. É difícil não conjecturar uma possível relação entre os fenômenos.
Na Venezuela, o governo criou uma “milícia bolivariana” como nova Força Armada que, segundo dados oficiais, tem 2 milhões de recrutas da reserva e o objetivo ideológico explícito de defender a “revolução bolivariana”. Parte desses milicianos, armada pelo governo, foi conclamada às ruas quando dos conflitos entre oposição e governo e praticou atos de violência política.
Outro aspecto de similitude é o de violação do espírito das leis por artifícios formais. Muitas vezes não é preciso sequer mudar a lei para mudar a prática: basta mudar as regras não escritas.
Um exemplo ocorrido sob o chavismo é a utilização do Banco Central para financiar gastos do governo. A Lei que rege o funcionamento do BC venezuelano proíbe a impressão monetária para financiamento do Orçamento — como tentativa de colocar limites à inflação. O governo, então, burlava a lei usando o BC para financiar a empresa estatal de petróleo e utilizando esta para gastos sociais.
No Brasil, este ano, o governo federal utilizou o instrumento que previa o decreto de estado de emergência para burlar as regras de gasto em ano eleitoral. Embora não haja mais emergência, governo e Congresso se uniram para decretar um falso estado de emergência e suspender todos os limites de gasto público antes de uma eleição, como relatado nesta coluna há algumas semanas (“O país tornou-se uma grande Sucupira”).
Como visto, as primeiras impressões realmente enganam. As similaridades entre Chávez e Bolsonaro vão além do estilo populista e nacionalista, como demonstram os exemplos citados aqui, que não são exaustivos. Levando a comparação a sério, fica claro que, embora Chávez e Bolsonaro não sejam iguais, Bolsochavismo não é uma contradição em termos.
O Globo