Fazer de Bolsonaro senador vitalício não garante impunidade
Por Hélio Schwartsman
O plano da direita para poupar Jair Bolsonaro de uma temporada na prisão é aprovar a PEC que cria o cargo de senador vitalício para ex-presidentes. Não acho que daria certo. O que efetivamente blinda Bolsonaro de problemas com a Justiça é o artigo 86 da Constituição, que lhe confere dupla proteção.
Ele estabelece que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Na interpretação que lhe é dada, o dispositivo assegura que Bolsonaro não seria processado mesmo se emboscasse um desafeto na praça dos Três Poderes e o estripasse diante das câmeras de TV. Esse seria um ato estranho a suas funções, pelo qual ele só responderia ao término do mandato. Se o ato não for estranho a suas funções —corrupção ou prevaricação por exemplo—, a situação melhora, mas não muito. Nesse caso, o mandatário pode ser responsabilizado, mas só se a Câmara autorizar a abertura de processo por maioria de 2/3.
Como senador vitalício, Bolsonaro teria uma proteção bem mais modesta, que é a prerrogativa de foro. Por esse mecanismo, ele só poderia ser denunciado pelo procurador-geral da República e seria julgado pelo STF. Augusto Aras tem sido camarada com o presidente, mas, se Bolsonaro perder a eleição, o procurador-geral não duraria muito mais no cargo. E Bolsonaro não é muito popular no STF. Tirando os dois ministros que ele indicou, os demais não enfrentariam dilemas existenciais para condená-lo.
Numa discussão puramente abstrata, senadores vitalícios podem fazer sentido. Na situação vivida pelo Brasil hoje, porém, essa é uma péssima ideia. Seria visto como lançar uma boia para um político encrencado com a lei. Eu faria o oposto, reduzindo a blindagem dada ao presidente, e cogitaria até de eliminar o foro especial. Se as pessoas não se veem como iguais diante da lei, a ideia de República fica comprometida.
Folha de São Paulo