Bolsonaristas tentam coagir Justiça Eleitoral com ameaça de tumulto caso as exigências do presidente não sejam atendidas. Ora, se Bolsonaro não aceita as regras do jogo, não o dispute
O Estadão informou que o governo de Jair Bolsonaro realiza uma operação de bastidores para tentar convencer o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a adotar propostas do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas nas eleições de outubro. Segundo fontes do governo, essa negociação tem o objetivo de evitar reações violentas de bolsonaristas no 7 de Setembro e no dia das eleições. Nessas tratativas, há a indicação de que o acatamento das propostas por parte da Justiça Eleitoral seria também um modo de acalmar o próprio presidente Jair Bolsonaro, evitando que ele adote alguma atitude de incentivo a distúrbios e outras confusões.
Essa negociação é um completo disparate, rigorosamente inconstitucional. Em primeiro lugar, o Poder Executivo não tem nenhuma competência sobre as atribuições da Justiça Eleitoral a respeito das eleições. Toda pressão do governo federal para que o TSE faça mudanças nos procedimentos relativos às urnas é exercício abusivo da função pública.
Em segundo lugar, as sugestões do Ministério da Defesa, feitas no âmbito de um órgão consultivo da Justiça Eleitoral, são apenas isto: sugestões. O TSE não tem nenhuma obrigação de aceitar, tampouco de oferecer contrapartidas. Não existe, não pode existir, uma “negociação” entre Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração federal) e Justiça Eleitoral, pelo simples e cristalino motivo de que o Ministério da Defesa (ou outro órgão da administração federal) não tem competência sobre as eleições.
Junto com outras entidades, o Ministério da Defesa foi convidado a oferecer sugestões sobre o processo eleitoral. Não lhe foi atribuída nenhuma competência adicional, como se pudesse interferir nas decisões da Justiça Eleitoral ou fazer barganhas públicas sobre as eleições.
Como se não bastasse essa atuação fora dos trilhos institucionais, há uma agravante muito séria nessa pretensão de interferir às vésperas das eleições no processo eleitoral: a chantagem. Quando o presidente e seu entorno sugerem que não têm como controlar a reação de seus apoiadores caso as propostas do Ministério da Defesa não sejam adotadas, configura-se inaceitável tentativa de coagir a Justiça Eleitoral.
Ora, não deveria ser necessário recordar que o respeito às leis e às normas eleitorais deve ser incondicional. Se Bolsonaro não aceita as regras do jogo nem reconhece a autoridade do árbitro, deve retirar-se da disputa. Insinuar que pode haver violência se Bolsonaro não puder ditar o regulamento das eleições beira o gangsterismo. Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito.
É preciso dizer, no entanto, que o presidente não se daria por satisfeito mesmo que todas as exigências bolsonaristas fossem atendidas, porque não lhe interessa o processo eleitoral, mas apenas o resultado da eleição: a esta altura já está claro que Bolsonaro não aceitará outro desfecho que não seja sua vitória.
Além disso, a chantagem sobre a Justiça Eleitoral é uma incrível inversão de responsabilidades. Desde a redemocratização, as eleições no País têm sido pacíficas. Mesmo nas mais ferrenhas disputas, nunca houve nada que se assemelhasse minimamente à confusão que vem sendo insinuada por bolsonaristas, a respeito de uma possível “convulsão social”, com participação de grupos armados. Se hoje há o risco de eventos violentos no 7 de Setembro ou no dia das eleições, isso é consequência direta do comportamento de Jair Bolsonaro, que não faz nenhum esforço para desestimular a violência. Ao contrário: o presidente estimula o tumulto com suas dúvidas sobre o processo de votação e suas invectivas contra a Justiça Eleitoral.
Que a lei seja rigorosamente aplicada sobre todos os arruaceiros das eleições. A paz social e a ordem pública na campanha eleitoral e no dia do pleito são temas muito sérios. Não são moedas de troca. Assim como todos os que desejam se candidatar nas próximas eleições, o presidente Jair Bolsonaro tem o dever de promover a paz. Se não o faz, coloca-se à margem das regras do jogo, com consequências nefastas. Há lei no País, e deve valer para todos.
O Estado de São Paulo