Em meio à crise crônica no país sul-americano e o aumento da pobreza, setores da esquerda organizam protestos para exigir que governo crie uma renda mínima universal, pressionando o enfraquecido governo Fernández.
Por Tobias Käufer
Milhares de sindicalistas atenderam a uma convocação para bloquear a ponte Pueyrredon, uma das importantes vias de ligação entre a região metropolitana e a capital da Argentina, Buenos Aires. Há muita raiva nas ruas do país. Em poucos dias, o peso argentino perdeu cerca de 40% de seu valor em relação ao dólar, e as consequências são dramáticas, especialmente para a população mais desfavorecida.
Os preços estão subindo – ou como grita o ativista social Juan Grabois ao microfone: "O que você pode comprar com mil pesos hoje?"
No comando da economia, sobram sinais de desorientação: na quinta-feira (28/07), o presidente Alberto Fernández anunciou mais uma troca de titular do Ministério da Fazenda – a segunda em menos de um mês. Saiu Silvina Batakis e entrou Sergio Massa, que ocupava a presidência da Câmara dos Deputados e agora comandará um "superministério" com a fusão de várias pastas. Mas não há sinais de otimismo com as mudanças.
Garantia de uma renda mínima
O aumento constante dos preços e a inflação desencadearam um debate sobre a criação de uma versão argentina da renda básica universal, como forma de atender às lacunas que atingem especialmente a população de baixa renda, para a qual o dinheiro simplesmente não é mais suficiente diante do aumento constante dos preços.
"Temos que garantir uma renda mínima para aqueles que não estão protegidos por sindicatos, acordos coletivos ou regulamentações estatais", explica o ativista Grabois em entrevista à DW. Ele vem ganhando popularidade como uma "voz dos pobres" ou "descamisados" da Argentina.
Redistribuição deve pagar renda básica
"Sem essa renda mínima, a sociedade permanecerá profundamente injusta. Há uma parcela de trabalhadores sem proteção na Argentina que não só estão caindo na pobreza, mas na indigência", diz Grabois, que é dirigente do Movimento dos Trabalhadores Excluídos (MTE).
Sua proposta prevê que a renda mínima seria financiada através de redistribuição. "Retirem 1% do lucro das grandes empresas que sempre se saem bem em todas as crises e coloquem esses fundos à disposição dos setores mais pobres da sociedade", defende.
A ideia está ganhando cada vez mais adeptos na Argentina, especialmente nos setores de esquerda. A parlamentar Victoria Tolosa Paz é a favor de um debate, mas sem "a gritaria nas ruas". O comportamento incisivo de Grabois na liderança do movimento é considerado controverso pelo grupo do presidente peronista Alberto Fernández, especialmente porque o ativista tem exercido enorme pressão sobre a aliança governamental com suas reivindicações e marchas de protesto.
Definição vaga
Há ainda outras questões. "Até agora, não foi definido com precisão como uma renda básica seria estruturada", diz o consultor econômico Carl Moses, de Buenos Aires, em entrevista à DW. Segundo ele, isso deixa espaço para a especulação política.
Para uma família de quatro pessoas, o custo da cesta básica de alimentos e serviços gira em torno de 100 mil pesos. Dessa forma, o Estado teria que complementar a renda para garantir um sustento mínimo para as famílias de baixa renda.
Há propostas de fornecer, todos os meses, o equivalente a duas cestas básicas, ou um valor de cerca de 67 mil pesos (R$ 2,6 mil). Assim como em outros países, a cesta básica argentina é considerada uma medida do custo de vida. E atualmente esse fator segue apenas uma direção: acentuadamente para cima.
Há também críticos no meio político. Para Rebeca Fleitas, parlamentar do partido La Liberdade Avança, a proposta de uma renda básica é um passo na direção errada. "Isso significaria ainda mais Estado. Mas precisamos exatamente do oposto para resolver os problemas estruturais da economia argentina. Principalmente mais empreendedorismo privado, mais concorrência, mais mercado para fortalecer a economia argentina."
O líder do partido, o ultradireitista libertário Javier Milei, vem defendendo a dolarização da economia há anos para estabilizar o país.
Protestos
Novos protestos foram anunciados para este fim de semana na Argentina. A pressão sobre o governo de Fernández está crescendo em meio ao aumento dos efeitos da crise econômica sobre os setores de baixa renda da população.
Além da mudança no comando da economia, o governo também criou o chamado dólar de soja para mobilizar os ativos parados do setor agrícola devido às flutuações cambiais. A inflação da Argentina chegou a 64% no acumulado de 12 meses até junho, e 5,3% no mês, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos do país.
Deutsche Welle