Ideia de criar cadeiras no Senado para ex-presidentes é tão estapafúrdia que é difícil crer que tenha sido cogitada
Não tem mesmo limites a criatividade dos parlamentares do Centrão para tentar salvaguardar os interesses do governo. A última ideia que circula por Brasília é tão estapafúrdia e desvairada que é difícil acreditar que tenha sido sequer cogitada — só que foi. Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria o cargo de senador vitalício para ex-presidentes, uma tentativa descarada de blindar o presidente Jair Bolsonaro de processos e da prisão, caso perca a eleição de outubro e tenha de enfrentar a Justiça como todo cidadão comum.
É preocupante o risco de que tal desatino prospere. Nunca é demais lembrar que o atual Congresso já aprovou a PEC dos Precatórios, a PEC Eleitoral, mudanças Lei de Improbidade e diversas outras medidas com o fito único de blindar políticos da Justiça. Que Bolsonaro esteja inquieto com o próprio destino e o de seus familiares depois de deixar o Planalto é compreensível. Que a classe política se sujeite a um acordo que, em troca da aprovação dessa PEC, traga a vã esperança de que ele abandone seus ataques ao voto eletrônico e às instituições democráticas é não apenas prova de ingenuidade, mas também uma vergonha.
O cargo de senador vitalício existia no tempo do Império, mas foi extinto com a proclamação da República. Persiste como uma espécie de fóssil institucional em países como Itália ou Paraguai, onde se tornou um modo de conferir prebendas a ex-mandatários ou figuras notáveis, que não têm direito a voto no Senado. Outras democracias, como França ou Estados Unidos, também distribuem regalias a seus ex-presidentes na forma de salários, assessores ou segurança (medida plenamente justificável). Só no Paraguai estão protegidos pelo foro privilegiado, como se tenta fazer com Bolsonaro.
No final da ditadura de Augusto Pinochet, o cargo de senador vitalício também foi criado no Chile para garantir blindagem ao ex-ditador. Não adiantou, pois ele teve de renunciar à cadeira no Senado por motivos de saúde e acabou preso em Londres, sob a acusação de crimes contra a humanidade. Vem provavelmente do exemplo chileno a inspiração de usar o posto vitalício como proteção a Bolsonaro. Vale lembrar que o próprio Chile anos depois decidiu acabar com a excrescência de tornar todos os presidentes senadores pelo resto da vida.
Nada disso impediu que a ideia, que já circulou por Brasília no passado e felizmente foi esquecida, tenha voltado a animar os gabinetes do Centrão, à medida que as novas pesquisas voltam a demonstrar o risco crescente de derrota de Bolsonaro nas eleições de outubro.
O Brasil é uma República democrática, cuja Constituição determina que os representantes do povo sejam eleitos para ocupar seus cargos por mandatos fixos e temporários. Se Bolsonaro quiser se candidatar ao Senado caso não se reeleja, essa mesma Constituição lhe faculta esse direito. É o que já fizeram os ex-presidentes Fernando Collor, José Sarney e Dilma Rousseff (os dois primeiros foram eleitos; a última, derrotada). Quanto à ideia descabida de criar cadeiras vitalícias no Senado para quem quer que seja, deve ser simplesmente esquecida. O Império já acabou há mais de 130 anos.
O Globo