TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PAULO AFONSO
Processo N° 0002232-97.2017.4.01.3306
- VARA ÚNICA DE PAULO AFONSO
Nº de registro e-CVD 00021.2017.00013306.1.00464/00033
Processo 2232-97.2017.4.01.3306
– AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Parte Autora MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Parte Ré JOÃO BATISTA MELO DE CARVALHO E OUTROS DECISÃO
Trata-se de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de JOÃO BATISTA MELO DE CARVALHO e OUTROS, em razão de supostas irregularidades perpetradas pelos indiciados ao contratar a COOFSAÚDE – COOPERAÇAO FEIRENSE DE SAÚDE, para terceirização de atividade fim do Município de Jeremoabo-BA.
Narra o MPF que o Município de Jeremoabo-BA contratou, por meio de hipotético desvio no processo licitatário n. 026/2011, a COOFSAÚDE COOPERATIVA DE TRABALHO, para administração e fornecimento de mão de obra ao Hospital Municipal de Jereomoabo-BA, entre os exercícios de 2011 a 2015, com pagamento de reajustes indevidos, além de proceder a terceirização ilícita de atividade-fim da prestação de serviços públicos de saúde do contrato n. 515/2011.
Aduz o Parquet Federal que para a execução dos contratos “Pagamentos COOFSAÚDE”, no exercício 2013/2014, “Extratos SIGA – COOFSAÚDE”, 2011 a 2016, foram utilizadas verbas oriundas do Município de Jeremoabo, do Estado da Bahia e da União, relativas aos seguintes programas/ações: Ampliação do acesso aos programas da Atenção Básica – PAB, Implementação da Saúde Bucal nos Centros de Saúde, Gerenciamento das ações do Fundo Municipal de Saúde, Ampliação de Acesso aos Programas de Saúde da Família – PSF e Manutenção do Centro de Apoio Psicossocial – CAPS.
Sustenta, por fim, que após a realização de autoria pelo SUS n. 15279, foram constatadas várias impropriedades pela empresa contratada, como a insuficiência no quantitativo de profissionais para cobrir demanda da população, antecipação indevida de preços por meio de aditivos, ausência de fiscalização do cumprimento do contrato, entre outros.
Em virtude disso, o MPF requer, por meio de pedido de tutela de evidência, a decretação de indisponibilidade de bens de RISVALDO VARJÃO OLIVEIRA JÚNIOR e COOFSAÚDE COOPERATIVA DE TRABALHO, no valor de R$ 2.823.343,48, mediante bloqueio via BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD e registro de indisponibilidade de bens imóveis na CNIB, a fim de resguardar os meios necessários para suportar o ressarcimento de dano ao erário (correspondente ao valor total do enriquecimento ilícito) e eventual condenação em multa civil.
Com a inicial, vieram acompanhados da mídia (fl. 43) e os documentos encartados às fls. 44/100.
É o breve relato.
DECIDO.
Observo que os documentos que instruem a inicial, especialmente o conteúdo da mídia colacionada ao feito, aliado pelo parecer da TCU, acostado às fls. dos autos, dão embasamento fático às alegações do Ministério Público Federal, exsurgindo indícios de irregularidades na aplicação das verbas públicas e do suposto dano ao Erário.
De acordo com o Relatório de Fiscalização conjunta n. 526/2014, realizada pelo TCU, TCE/BA e TCM/BA (no item 05, subitem 363.1.1, pag. 53, constante na mídia anexa), o Município de Jeremoabo incorreu em diversas irregularidades ao efetuar contratações de entes do terceiros setor e cooperativas, sem amparo legal.
Primeiramente, verifico que não houve respaldo fático a corroborar com a contratação de empresa terceirizada para prestação de serviço de saúde, tendo em vista que essa contratação não foi precedida de estudo técnico, demonstrando as vantagens da terceirização em relação à contratação direta.
Ao revés, do arquivo “Edital de Abertura de Concurso 001/2011” infere-se que antes da contratação da COOFSAÚDE houve até abertura de concurso público para provimento de cargos efetivos no município de Jeremoabo-BA, entre eles o cargo de médico, odontólogo, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, inclusive tendo sido aprovado como médico Risvaldo Varjão de Oliveira Júnior, Ana Júlia Santiago Marinho Cunha, Thaíse Bárbara de Jesus Luz e Thales Bravo Marques Rizzo, sendo o primeiro Secretário de Saúde e os demais médicos prestadores de Saúde. De modo que os mesmos médicos que já eram pagos pelo Município de Jeremoabo por ocuparem cargos públicos, também prestavam serviço pela COOFSAÚDE, desprovida de qualquer fiscalização acerca de cumprimento de carga horária quanto aos serviço realizado através de Cooperativa (pag. 04/06 do arquivo eletrônico auditoria 15.279 da mídia anexa).
Ademais, a contratação de profissionais de saúde mediante terceirização pelo COOFSAÚDE resultou alijada também de controle social, por conta da ausência de prévia análise e deliberação pelo Conselho Municipal de Saúde, conforme consta no Relatório de Fiscalização do TCU (item 2.2, fls. 16/18 do arquivo constante na mídia anexa), sem falar na ausência de composição de preços unitários na planilha de custos referencial, relacionado ao valor bruto de contratação de cada profissional com indicação de todos os encargos e insumos relacionados ao serviço (fls. 05/06 do arquivo Pregão Presencial n. 026/2011) impossibilitando o controle dos preços praticados pelo COOFSAÚDE, e, com isso, a verificação das vantagens dessa contratação em detrimento da contratação direta.
Insta sublinhar que a proposta da COOFSAÚDE no Pregão Presencial n. 026/2011 não correspondeu aos requisitos do edital, porquanto não apresentou, em campos distintos, o valor unitário líquido e o valor unitário bruto (item 2.4 da fls. 20/21 do Relatório de Fiscalização 526/2014 na mídia em anexo), inviabilizando o controle acerca dos preços praticados e do eventual superfaturamento do objeto.
Em que pese se trata de um contrato de duração continuada, verifica-se que não houve a designação formal de fiscal de contratos para seu acompanhamento, evidenciando assim que tem sido realizado de forma assistemática, consoante o apontado pelo Relatório de Fiscalização da TCU (item 2.5 da fl. 22 do arquivo constante na mídia anexa).
Não há igualmente transparência no tocante à emissão de nota fiscal, posto que não houve comprovação dos efetivos custos incorridos na prestação de serviços, nos processos de pagamentos, segundo o Relatório de Fiscalização do TCU (item 2.6, fl. 24 do arquivo constante na mídia anexa), expondo, desse modo, o patrimônio público a riscos.
Note-se, ainda, a falta de fiscalização pelo órgão de controle interno do município de Jeremoabo-BA para acompanhar o processo de terceirização que resultou na contratação da COOFSAÚDE, gerando, por isso, a instauração do processo de Tomada de Contas Especial para quantificar o débito a ser ressarcido especificamente ao contrato n. 515/2011, conforme destacado pelo Relatório de Fiscalização do TCU (fl. 34).
Não fosse isso suficiente, houve ainda reajuste irregular de preços pelo COOFSAÚDE, nos exercícios 2011/2012, malgrado a vedação contratual entabulada nesse sentido, estabelecida na claúsula 8.1 do contrato.
Conforme destacado pela Auditoria 15279 (fls. 05/06 constante na mídia anexa), o Secretário Municipal á época, Risvaldo Varjão Oliveira Júnior celebrou dois aditivos, tendo o primeiro Termo Aditivo ocorrido apenas 10 dias após a celebração do contrato, em 06/06/2011, e ou outro em 02/01/2012, acarretando com isso um pagamento indevido no montante de R$ 997.288,91 (novecentos e noventa e sete mil, duzentos e oitenta e oito reais e noventa e um centavos), que em valor atualizado até 01/04/2017 corresponde a importância de R$ 1.416.703,06 (um milhão, quatrocentos e dezesseis mil, setecentos e seis centavos).
É cediço que a prestação do serviço de saúde não constitui atividade-meio, mas sim atividade típica do Estado, cujo cargo público encontra-se definido dentro da estrutura administrativa do ente político, inclusive com lei estabelecendo plano de cargos e salários, razão pela qual deve ser desenvolvido somente por ocupante de cargo público, podendo o serviço de saúde ser explorado, entretanto, pela iniciativa privada, de forma complementar, dado o seu caráter e por se tratar de necessidades permanentes, mediante convênio/contrato.
No caso em comento observo que logo após a contratação da COOFSAÚDE para terceirização de mão de obra de profissionais de saúde, no Município de Jeremoabo, em 30/08/2011, houve a homologação do Concurso Público n. 001/20011, tendo sido nomeados diversos médicos e demais profissionais da área de saúde, conforme se vê na mídia anexa.
Assim, considerando que a mão-de-obra terceirizada pela COOFSAÚDE (Contrato n. 515/2011) se deu para executar atividades típicas do estado, entendo que se trata de terceirização ilícita, eis que inobservou os paradigmas da simetria, estabelecidos em âmbito federal (no art. 1º, §1º, do Decreto n. 2.271/90), e na esfera estadual (art. 3º do Decreto n. 13.266/2010).
Nessa circunstância denota-se que não houve uma situação excepcional a autorizar, ainda que temporariamente, a contratação de COOFSAÚDE, já que apenas alguns meses após a celebração da terceirização do serviço de saúde do Município de Jeremoabo foi realizado o concurso público para fins de contratação de profissionais de saúde, evidenciando, assim, que a irregularidade na terceirização perpetrada pela COOFSAÚDE, acabou causando danos ao erário.
Por fim, verifico que há elementos indicando a existência de fraude no processo licitatório do Pregão Presencial 026/2011, não apenas pela insubsistência da motivação que ensejou essa espécie de licitação, mas também pelas fases cronológicas desse procedimento (como a solicitação de abertura da licitação, a elaboração de minuta desse edital, a expedição de parecer jurídica e a publicação do edital) terem ocorrido tudo no mesmo dia, em 09/05/2011, de acordo com o exposto no laudo pericial n. 121/2016.
Adicione-se a isso, o fato da COOFSAÚDE ser a única concorrente do certame público n. 026/2011 do Município de Jeremoabo, já que apenas essa licitante adquiriu o edital de licitação e compareceu à abertura de proposta, designada para o dia 20/05/2011, além do representante credenciado pela COOFSAÚDE, Sr. Thiago Lima de Carvalho, ser ao mesmo tempo servidor público do município de Jeremoaobo-BA, conforme dados extraídos do Sistema SIGA/TCM-BA, constante na mídia anexa, violando assim o art. 9º da Lei 8.666/93.
Outrossim, não se pode olvidar da desconformidade da proposta apresentada pela COOFSAÚDE com a planilha referencial do edital de licitação, uma vez que na proposta dada pela empresa vencedora do certame não constou indicação do valor líquido e bruto da contratação de cada profissional, havendo apresentado apenas um valor unitário, de acordo com o consignado pelo TCU às PP. 22/22, não havendo correpondência também com relação à quantidade dos profissionais de saúde oferecidos pela COOFSAÚDE para serem contratados
Impende sublinhar que, em se tratando do procedimento para apurar atos de improbidade administrativa, disciplinados na Lei 8.429/92, deve a lei especial prevalecer sobre a lei geral, motivo pelo qual, para adoção das medidas de indisponibilidade, devem ser aplicados os requisitos do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa e não aqueles exigidos para a concessão de tutela de evidência prevista no art. 311, do NCPC, norma geral, até mesmo porque entende esta Magistrada que nas hipóteses do inciso I e IV do retrocitado artigo somente caberia a tutela após a oportunidade do contraditório.
Sendo assim, o pedido de indisponibilidade dos bens dos demandados, formulado no bojo da ação, revela natureza eminentemente cautelar e merece acolhimento porquanto ocorrentes os seus requisitos.
A plausibilidade das alegações decorre da fundamentação acima exposta, e o periculum in mora é implícito, ante a potencial dilapidação patrimonial em casos dessa estirpe.
Com efeito, pretendendo-se a reparação do dano, que in casu é remédio necessário à obtenção de cautela no sentido de se assegurar o seu resultado útil, especialmente quando se está diante de demorado processo, em que é possível a utilização de diversas instâncias de julgamento até que se alcance eventual trânsito em julgado.
Nesse sentido já decidiu o Tribunal Federal da Primeira Região, em processo da relatoria do eminente Desembargador Federal Tourinho Neto:
“1. Sendo a indisponibilidade uma medida acautelatória e sendo o processo referente a ação civil por improbidade, naturalmente, demorado, manda o bom senso que havendo o fumus boni iuris, os bens dos requeridos sejam postos em indisponibilidade, sob pena de, no final, ocorrer a possibilidade de não ter como ressarcir o erário. É uma medida de prevenção.
” (AG 200201000449522/GO, Segunda Turma, DJ de 17/10/2003, p. 12)
O suposto dano aos cofres públicos decorreu do reajuste irregular dos preços propostos pela COOFSAÚDE, nos exercícios de 2011 e 2012, tendo gerado pagamento indevido que perfaz o montante de R$ 1.416.703,06 (um milhão, quatrocentos e dezesseis mil, setecentos e seis centavos), aplicando o IPCA-E como critério de correção monetária, em valor atualizado até abril de 2017, sem o cômputo da quantia referente à multa, por entender que a indisponibilidade de bens somente foi assegurada constitucionalmente como meio de garantia de recomposição do dano ao erário.
Em face do exposto, defiro parcialmente o pleito ministerial e decreto, com fundamento no art. 7º, da Lei 8429/92, a indisponibilidade dos bens dos demandados RISVALDO VARJÃO OLIVEIRA JUNIOR e COOFSAÚDE COOPERATIVA DE TRABALHO, até o limite do valor de que se pretende a reparação, na importância de R$ 1.416.703,06 (um milhão, quatrocentos e dezesseis mil, setecentos e seis centavos).
Isto posto, determino:
1) o bloqueio de bens e de valores constantes em contas de instituições financeiras, através dos Sistemas RENAJUD, BACENJUD e INFOJUD;
2) a requisição, através do Sistema INFOJUD, das três últimas declarações de IRPF e IRPJ dos acionados;
3) o registro de indisponibilidade de bens imóveis na CNIB – provimento n. 39/2014 do CNJ. (Noso grifo)
4) intime-se a União, através da Advocacia Geral da União, para manifestar seu interesse em integrar a lide na condição de litisconsorte ativo, conforme previsto no art. 17, §3º, da Lei n. 8.429/92.
Atente-se a Secretaria para proceder à publicação da presente decisão somente a pós efetivadas as medidas assecuratórias de indisponibilidade de bens dos requeridos, mediante certificação nos autos.
Notifiquem-se os requeridos para oferecer manifestação por escrito no prazo de quinze dias, nos termos do art. 17, §7º, da Lei n. 8.429/92.
Publique-se. Intimem-se.
JOÃO PAULO PIRÔPO DE ABREU
JUIZ FEDERAL
Será que o crime compensa?
Será que o povo de Jeremoabo não se envegonha desses seus líderes corruptos?
Aqui é a Lava Jato chegando em Jeremoabo - Justiça Federal e Polícia Federal.