Publicado em 21 de junho de 2023 por Tribuna da Internet
Jorge Béja
Na clássica e festejada obra “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Carlos Maximiliano enfatiza que a maneira mais exata, segura e jurídica para entender, compreender e aplicar a lei é a interpretação literal.
A Constituição Federal não deixa a menor dúvida que a República Federativa do Brasil é formada, no tocante aos poderes, por apenas três: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (artigo 2º da CF).
SEM INTERPRETAR – Também é clássico, e seguido pelo Judiciário, este outro princípio segundo o qual “onde o legislador não distinguiu não cabe ao intérprete distinguir”.
Estabelece a Constituição que as Forças Armadas não constituem um poder. Marinha, Exército e Aeronáutica “são instituições nacionais permanentes e regulares”. E destinam-se “À defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (artigo 142).
Romper, distorcer, macular e desobedecer as disposições que estão postas de forma tão clara na Constituição Federal é golpe de Estado. As situações, que a própria Carta prevê, tocantes à intervenção das Forças Armadas, estão elencadas, também com clareza na própria Carta.
INTERVENÇÃO LIMITADA – E quando as Forças Armadas são legalmente chamadas a intervirem, sua atuação é limitada e visa à garantia do Estado Democrático de Direito, à manutenção da lei e da ordem. Nada mais.
Fala-se no “poder moderador” que teriam as Forças Armadas. É ficção. É deturpação. É incoerência. Até a adjetivação é imprópria, contraditória e incorreta. Somente a força da razão, do convencimento e da própria política, sadia e honesta, é que possui poder e força para moderar, para conter nos limites convenientes, para acomodar a convivência.
Nunca as armas. Moderar com o emprego de tanques, aviões de guerra, fuzis, metralhadoras e tudo mais que seja armamento? Tanto não é poder. Daí nasce o confronto — quase sempre sangrento — entre a força do Direito, da Legalidade, do Estado Democrático contra a força das armas. Neste caso, é óbvio que os vencedores serão sempre as armas.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Sempre elegante e educado, o jurista Jorge Béja não cita o professor Ives Gandra Martins, que vem defendendo ardorosamente a tese de que as Forças Armadas teriam poder moderador, que é a justificativa adotada pelos defensores de um golpe de estado para entronizar Jair Bolsonaro (ou algum general) no poder.
Esse texto de Jorge Béja — expressivo, corrosivo e definitivo— destrói antecipadamente a tese de Gandra, que vai defendê-la nesta quinta-feira na Escola Superior de Guerra, para uma plateia integrada em sua maioria por coronéis do Exército e oficiais de mesma patente na Marinha e na Aeronáutica.
Ao proclamar o poder moderador dos militares, Ives Gandra vai dizer o que muitos deles querem ouvir, não o que diz a Constituição. Diante dessa distorção jurídica, é importante que a ESG convide Jorge Béja a falar aos formandos, para mostrar a eles que as normas constitucionais não merecem ser torturadas até que admitam a interpretação que se procura impor. (C.N.)