Ranier Bragon e João Gabriel
Folha
A montagem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de uma base de apoio no Congresso envolve a negociação com grupo de parlamentares de partidos que não são formalmente aliados, em especial do centrão — PL, PP e Republicanos, trinca que deu sustentação política a Jair Bolsonaro (PL).
Articuladores do governo, dirigentes e integrantes dessas legendas —além de outras menores, como o Podemos— falam de uma potencial bancada paralela pró-Lula em torno de 70 deputados e 10 senadores, o que seria decisivo para votações importantes no Congresso.
DISSIDÊNCIAS NO PL – O ensaio de adesões ao governo é simbolizado pelo próprio partido de Bolsonaro, o PL, que é o maior da Câmara (99 dos 513 deputados) e o segundo no Senado (12 de 81).
Apesar de abrigar alguns dos principais expoentes do bolsonarismo, a sigla deve ter dissidências significativas pró-governo nas duas Casas.
O presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, tem afirmado em conversas com parlamentares que calcula de 20 a 30 deputados do partido com inclinação a se aliar ao governo, em especial os mais antigos na legenda, que não ingressaram na política por meio do bolsonarismo. Costa Neto tem feito uma brincadeira nessas conversas, a de que o PL é, como o próprio nome diz, um partido “liberal”, o que é entendido como um sinal de que não haverá punições.
REAPROXIMAÇÃO – Ex-ministro dos Transportes de Dilma Rousseff, por exemplo, o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) foi eleito coordenador da bancada paulista na Câmara com apoio do PT, que viu na ocasião uma oportunidade para ampliar a divisão no partido entre o “centrão raiz” e o “bolsonarismo raiz”.
Rodrigues repete um mantra dito aberta e reservadamente por quase todos os parlamentares que hoje não estão aliados formalmente ao governo, mas que ensaiam adesão.
“Como brasileiro, torço pelo sucesso [do governo]. Não tem cabimento torcer contra o meu país. Acabou a eleição, temos que torcer pelo sucesso. Eu vou acompanhar as diretrizes partidárias, mas o que for bom para o Brasil, eu não vou votar contra.”
APOIO AO SUPREMO – Rodrigues, inclusive, diz que irá defender na reunião dos congressistas do PL com Valdemar, após o Carnaval, uma deliberação contrária a uma das principais bandeiras do bolsonarismo radical, o ataque ao STF (Supremo Tribunal Federal).
“Eu não sou oposição radical não, e sou contra qualquer atitude contra o Judiciário. Decisão judicial se respeita. Vou propor na pauta [da reunião] uma decisão para respeitar o Judiciário.”
Outro membro mais antigo do PL, Tiririca (SP) diz ser muito cedo para avaliar o governo Lula, mas afirma que é defensor “da democracia e da vontade do povo brasileiro”. Toda a proposta que for de interesse da população e para o bem do Brasil terá o seu apoio, diz.
ROMÁRIO NO JOGO – No Senado, Romário (PL-RJ) já é tratado por petistas e até por seus correligionários como voto praticamente certo a favor das pautas do governo. Há a expectativa, inclusive, de que ele deixe sua legenda em breve —o senador não quis se pronunciar sobre o assunto.
Ex-vice-líder do governo Bolsonaro, o senador Carlos Viana (MG) trocou o PL pelo Podemos, mas afirma estar dentro da ala de oposição a Lula. Isso não impedirá que ele vote e defenda pautas do atual governo, diz.
“Eu fui vice-líder [do governo Bolsonaro] porque diversas propostas da economia [do Paulo Guedes] eram iguais às minhas, uma política liberal, as privatizações. Mas determinados pontos do bolsonarismo, como a questão das vacinas, eu nunca compartilhei. Meu público sabe que eu defendo o interesse público independente de governo”, afirma.
BASE RADICAL – “A base bolsonarista mais radical não tem jeito, ela quer oposição por oposição, e isso eu não vou fazer. Precisamos de uma oposição inteligente que defenda o futuro do país”, acrescenta.
Reservadamente, senadores afirmam que, a depender da pauta, até 25 dos 32 nomes que atualmente compõe o grupo de oposição a Lula podem votar junto com o governo, e o exemplo mais citado é o da reforma tributária. O texto, uma das principais bandeiras econômicas do PT, pode ser votado ainda no primeiro semestre.
Já a nova âncora fiscal, outra promessa lulista para a área, ou mudanças na lei das estatais trazem mais divergências. “A reforma tributária, ainda que tenhamos uma divergência pontual, em essência é uma pauta de convergência, assim como o novo Bolsa Família”, diz Alessandro Vieira (PSDB-SE), que se declara como independente.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Nada de novo no front ocidental. O poder tem um formidável poder de atração e o adesismo é um dos esportes favoritos dos políticos brasileiros. Sempre foi assim. Quem desdenhou do Congresso foi derrubado, como Collor e Dilma, ou renunciou, como Jânio, ou perdeu a reeleição, como Bolsonaro. (C.N.)