Carolina Linhares
Folha
Na mira do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Superior Tribunal Eleitoral) por contestar a eleição, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) agora levanta a bandeira branca ao ministro Alexandre de Moraes. Zambelli, fiel escudeira do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), diz que ele deveria ter sido claro ao pedir o fim de atos nos quartéis e deveria estar no Brasil para liderar a oposição. Além disso, afirma que os discursos da direita podem, sim, ter levado às cenas de 8 de janeiro.
“Depois do dia 8, estou sendo bem mais cuidadosa para não ter mais pessoas se enganando. A gente está em outro patamar, agora não é hora de bater no STF”, diz. Para ela, o foco da oposição deve ser o presidente Lula (PT).
Terceira em número de votos, com 946.244 eleitores, atrás de Nikolas Ferreira (PL-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP) e à frente de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Zambelli falou à Folha de um spa medicinal onde passou o fim de semana tratando uma crise de fibromialgia.
Em 2018, a sra. teve 73,6 mil votos. O que explica seu salto, sendo que outros bolsonaristas não tiveram sucesso?
Em 2018, eu não era conhecida, o movimento Nas Ruas era. Agora, é uma junção da popularidade do meu nome à fidelidade que as pessoas encontraram em mim junto a Bolsonaro.
O que levou à derrota na eleição presidencial?
Encontrei algumas poucas pessoas que diziam: vou votar em você, mas não no Bolsonaro, a senhora é mais light na hora de falar. Muito do julgamento foi pela forma de ele falar e menos pelo que ele fez, porque as pessoas aprovam o que ele fez.
A falsa tese de fraude nas urnas ainda ecoa?
Não posso responder ou vou ter que pagar R$ 20 mil de multa.
Pode responder se isso é algo que escuta dos seus eleitores?
O tempo todo. Hoje, no spa medicinal, vieram tirar foto comigo umas 40 pessoas, sendo que 30 questionaram o resultado. Mas não posso falar, até porque acho que está pacificado, agora é lutar de outra maneira.
Qual deve ser o foco da oposição? Já está superada a questão das urnas por nós parlamentares. Se ainda tem algo a ser feito, talvez seja voltar a falar sobre voto impresso. Tenho dito que, como deputada, minha briga não pode ser a mesma da legislatura passada. Eu tinha o papel de defender Bolsonaro e o governo, qualquer um que os atacasse tinha que virar um alvo meu. Nesta legislatura, Bolsonaro não é mais presidente, então nosso alvo tem que ser Lula, seus feitos e desfeitos.
Bolsonaro disse que o governo Lula não vai durar, e a sra. já falou em impeachment. É uma possibilidade?
Sim, Lula tem errado bastante. O impeachment precisa de um crime e de aderência política. Ele já cometeu crime de responsabilidade. Por exemplo, não ter feito a licitação dos móveis no Alvorada. Mas não é um crime tão popular. Porém acredito que logo ele vai cometer. O Congresso vai perceber que ele não está fazendo o que prometeu. A economia vai começar a dar errado, e ele vai ficar impopular.
Na eleição, a direita falava em conquistar o Senado e promover o impeachment de Moraes. Isso deve ser feito?
Não. Bolsonaro não ganhando, a gente tem que virar a chave. Qualquer impeachment no STF, o substituto vai ser indicado por Lula. Pode entrar uma pessoa que faça as maldades do Alexandre de Moraes parecerem uma criança chupando picolé.
O Metrópoles publicou que a sra. procurou o gabinete de Moraes com a intenção de distensionar a relação.
Liguei e mandei um email. Alguns dias depois, minha rede foi devolvida, pode ter sido um gesto. Estou à disposição dele para conversar. Porque ele vai ser um alvo do PT daqui a pouco. O PT não vai se contentar em indicar somente os dois ministros que vão se aposentar.
Quando disse que quem atacasse Bolsonaro era seu alvo, estava falando do STF?
Não só dele. Eu ataquei muito o STF para proteger o ex-presidente.
Teve ou tem medo de ser presa?
Medo não é a palavra, mas expectativa, sim. Não como uma boa expectativa. Várias vezes fui dormir pensando que ia ter que acordar às 6h com a Polícia Federal na minha porta.
Por conta do que disse ou postou?
Não aconteceu porque eu não excedi um certo limite, não cometi nenhum crime. Mas eu joguei pesado, joguei duro nas palavras. Quando eu ia contra meus inimigos eu ia de forma bruta mesmo, mostrando divergências. Existia uma linha que eu podia cruzar, mas sabendo que outras pessoas cruzaram e sofreram as consequências.
Existe um mea-culpa a ser feito após o 8 de janeiro, com pessoas instigadas por esses discursos?
Não, porque tomaram minhas redes em novembro. Eu soube no dia 7 que as pessoas subiriam para a Esplanada. Conversei com várias pessoas pedindo cautela. Não me sinto culpada pelo dia 8. Mas já fiz um mea-culpa em relação a ter sacado a arma. Errei politicamente, deveria ter evitado aquele início de briga.
A sra. disse aos caminhoneiros ‘não esmoreçam’, disse aos generais ‘é hora de se posicionar’...
Bolsonaro disse que a liberdade vale mais que a vida. Essas falas não são um incentivo para não aceitar a eleição? Sobre os caminhoneiros, acho que a gente tinha direito de se manifestar durante algum tempo contra o resultado, mostrando apoio a Bolsonaro. Bolsonaro, mesmo perdendo, tinha um papel fundamental na oposição. Discordo da maneira como ele levou aquele tempo todo [para falar após a eleição] e o silêncio que teve. Ele tinha que organizar a oposição, orientar a gente, ele tinha 28 anos de Câmara. Tínhamos que mostrar nosso descontentamento até para incentivá-lo a ser a voz da oposição. Quando falo com os generais, se as Forças Armadas tinham feito um trabalho de auditoria, é que eles tinham que se posicionar no sentido de houve fraude ou não.
Essas falas da sra., de Bolsonaro e de outros parlamentares podem levar as pessoas a quererem ou tentarem promover um golpe?
Podem. Você pode colocar essa frase solta e no dia seguinte vai ter um inquérito contra mim no STF, se já não tem. Mas tem dois fatos: no dia 8, eu falei com várias pessoas para não irem ou serem zelosos. Segundo, hoje a gente percebe que eles não fizeram força nenhuma para essa invasão não acontecer. Existiu uma facilidade grande para entrar. E independentemente de qualquer discurso, cabe a cada pessoa a responsabilidade pelos seus atos. É a individualização da conduta, não se pode culpar Bolsonaro por algo que você fez.
‘Eles’ quem facilitaram a entrada?
Falo na terceira pessoa do plural de propósito, porque a gente está tentando descobrir. Defendo a CPI [para apurar o 8 de janeiro]. Tem gente da direita que tem que ser presa. Vandalismo para mim é terrorismo, mas tem gente presa inocente.
A sra. organizaria uma visita de deputados aos presos, chegou a ir?
Não. Eu marquei com base na pressão que meus eleitores fizeram. Mas um parlamentar experiente disse que a visita só iria atrapalhar a vida dessas pessoas, porque ia parecer braço de ferro com o STF, aí eu abortei.
O golpismo está claro, até pela minuta encontrada com Anderson Torres…
Escreveram e também levaram no meu gabinete. Não sei quem fez.
Qual deve ser o remédio para combater o golpismo, considerando que a sra. é crítica da atuação do STF?
Na live que Bolsonaro fez em 30 de dezembro, ele tinha que ter deixado claro o que pensava. Ele seria um remédio se tivesse dito que era para as pessoas saírem dos quartéis. Outro remédio é o que estou tentando fazer. Tive três meses para pensar. Na volta das minhas redes, só fiz um vídeo sobre um assunto específico. Sei que a gente influencia as pessoas. Depois do dia 8, estou sendo bem mais cuidadosa para não ter mais pessoas se enganando. A gente está em outro patamar, agora não é hora de bater no STF, não é hora de fazer manifestação.
A sra. conhece bem Bolsonaro. Na live, ele já sabia que o jogo tinha acabado ou ele achava que haveria novos capítulos?
Não, ele achava que tinha acabado. Vendo a live, cheguei a passar mal, porque tive certeza naquele momento de que não ia acontecer mais nada. Para mim ficou claro, mas para várias pessoas que continuaram nos quartéis não.
Eleitores da direita reclamam que Bolsonaro fugiu ao ir para os EUA. Ele corre risco se vier para cá ou tinha que estar aqui para liderar a oposição?
Não acho que seja fugir. Passar um tempo fora para pensar no que vai fazer é legítimo. Mas concordo que ele deveria estar aqui para liderar a oposição. A gente teria mais condições, capacidade e força.
Ele corre o risco de ser preso aqui?
Eu acho.
Deveria estar aqui mesmo assim?
Ele deve ter mais informações do que a gente, por isso está lá. Temos que ser compreensivos com ele.
Espera que ele seja o candidato da direita em 2026 ou ele pode estar inelegível e deve haver uma alternativa, como a Michelle? Ele pode ser candidato, mas a gente tem que preparar uma nova alternativa. A direita tem que ter quatro, cinco alternativas. Tem que ter Bolsonaro, Michelle, os filhos do Bolsonaro, Tarcísio e outros.
Pensa em concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2024?
Não, minhas pautas são nacionais.
O episódio da arma se tornou um exemplo de como o bolsonarismo é radical. Foi nesse sentido o erro político?
Atingi uma pessoa que eu jamais queria atingir, que é o ex-presidente. Não sei se isso fez diferença na votação dele ou não. Eu tinha sido ameaçada a noite inteirinha e fui muito insultada, fui cuspida, empurraram meu filho e depois me empurraram por trás de um jeito que não dá pra ver nas câmeras. Eram oito pessoas, que ficaram me esperando sair. O [André] Janones, quando assiste ao vídeo, diz: a gente conseguiu mexer com o psicológico dela. Ou as pessoas ali eram ligadas a ele ou às pessoas que me ameaçaram. Fui dormir 4h30 e tinha conseguido limpar o celular, mas no dia seguinte já tinham 4.000 mensagens no WhatsApp e mais de 1.200 ligações. Eu tive mais de 40 mil mensagens me ameaçando, várias com pornografia. Está tudo denunciado. Eu estava sob ataque e sob alerta, de pessoas que disseram que eu ia levar um tiro na cabeça. Quando eles se aproximam, eu falei vão me matar. Escutei um tiro e não vi o policial que me acompanhava, pensei que tinham matado ele.
O STF decidiu manter seu porte suspenso.
Eu saquei a arma legalmente respaldada. Por que os ministros não se perguntam quem eram aquelas oito pessoas e por que fugiram? Minhas armas não deveriam ter sido apreendidas, eles suspenderam o porte, não a posse.
O hacker da Vaza Jato, Walter Delgatti, que a sra. levou a uma reunião com Bolsonaro em agosto, disse ao Brazilian Report que trabalhava para a sra. nas suas redes e que ele teria participado de um plano para grampear Moraes. O que sabe sobre isso?
Nada. Eu o contratei no primeiro turno para fazer uma ligação automática entre minhas redes e meu site. Ele começou a fazer, mas não terminou. O encontro com Bolsonaro era sobre a fragilidade das urnas. O que sinto no Walter é que ele fez tudo isso meio para se redimir da culpa que tinha pelo Lula estar concorrendo.