Pedro do Coutto
Levando com atenção as reportagens publicadas pelo Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo, edições desta quinta-feira, e tendo assistido ao jornal das 18h da GloboNews na quarta-feira, constata-se que, na realidade, a China não apoiou a Rússia como desejava o presidente Putin no encontro com o chanceler chinês Wang Yi, realizado em Moscou.
O chanceler chinês confirmou o vínculo com a Rússia, mas disse que não existem relações dirigidas contra “terceiros países”. Aliás, afirmou que “nossas relações nunca foram realizadas contra terceiros países “. Leia-se, portanto, Estados Unidos. “Nossas relações resistem à pressão da comunidade internacional e estão se desenvolvendo de forma muito estável”, acrescentou.
NOTA DO GOVERNO – Pelo tom da frase deixou claro que não há apoio chinês a um confronto com os americanos como chegou a pensar Putin numa manobra de intimidação para o Ocidente. Pelo contrário, o chanceler chinês foi portador de uma nota do governo de Pequim frisando essa questão, destacando que a China tem uma proposta de paz para o caso da guerra da Ucrânia, cujas bases já foram encaminhadas para Kiev.
A guerra, diz o chanceler, é uma questão difícil para os chineses que têm buscado se posicionar como um país neutro, embora forneçam apoio diplomático a Moscou. Acentuou que para o governo chinês, o Kremlin é um aliado chave num cotejo com o cerco ocidental a seus interesses estratégicos, em especial na Ásia.
Ao situar interesse estratégico na Ásia, o chanceler deslocou a questão da Ucrânia dentro da ordem que considerou multipolar mundial. Como se observa, a China, na verdade, se esquivou de um comprometimento maior e mais perigoso ao lado da União Soviética contra a pressão do governo Joe Biden. A solidariedade de Pequim a Moscou, portanto, tem limites .
ELO – O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, esteve na Polônia e reforçou o elo dos americanos com os países da Otan contra uma ameaça russa na questão do rompimento do tratado atômico que limitou a produção de artefatos nucleares.
Na defesa de uma ordem multipolar , o embaixador Wang Yi também priorizou evitar sanções e preservar os laços econômicos com o Ocidente, posição que demonstrou na recente viagem que fez a países europeus. A atual situação internacional é crítica e complexa. Mas a relação entre a China e a Rússia é sólida.
A diplomacia chinesa divulgou uma nota sobre o encontro de quarta-feira, dizendo que Wang e Putin discutiram sobre a questão ucraniana, ressaltando que a Rússia está disposta ao diálogo e à negociação, o que não foi verbalizado por Moscou.
PROPOSTA – No fim da semana passada, a China apresentou uma breve proposta de paz, cujo conteúdo foi enviado à Kiev. Logo após o encontro com o chanceler chinês, Putin fez um discurso para celebrar o dia dos defensores da pátria, sem sinalizar nenhuma perspectiva para a paz da Ucrânia. Pelo contrário, anunciou uma nova ofensiva. Portanto, ficou claro que fundamentalmente há uma divergência profunda sobre o caso entre a Rússia e a China.
Conforme sempre assinalo, não basta ler os fatos, mas ler o conteúdo nos textos e verificar as tendências nos fatos. Essa visão prática aplica-se bem, penso, às matérias publicadas pelo estado de S. Paulo, pela Folha de S. Paulo e O Globo, edições de ontem. Uma análise calma, mostra os verdadeiros aspectos tratados ou desviados de consideração, a exemplo do fornecimento chinês de armas a Moscou.
COMBATE AO EXTREMISMO – O governo finalmente instalou o Grupo de Trabalho que criou para propor estratégias de combate às fake news e aos discursos de ódio que circulam na internet. A repórter da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello, vítima de estúpida agressão verbal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, vai integrar o grupo como vinculada aos Direitos Humanos e Cidadania.
Houve, inclusive, um erro de publicação da Portaria no Diário Oficial que levou Patrícia Campos Mello a uma explicação pública: “Como jornalista não posso participar oficialmente de um Grupo de Trabalho do governo. Irei apenas colaborar com opiniões sobre o tema que pesquiso há muitos anos, mas sem nenhum vínculo formal com o grupo”. A escolha da jornalista, a meu ver, foi excelente.
RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS – A Suprema Corte dos Estados Unidos colocou na pauta de julgamento uma ação proposta pelo governo sobre a responsabilidade legal e jurídica das empresas que operam na internet quanto ao conteúdo dos textos publicados, entres os quais se incluem, como ocorre no Brasil, investidas contra as instituições e princípios democráticos. A questão, penso, não é complexa, como muitos atribuem, como forma de ocultar a identidade dos autores na tentativa de blindá-los contra ações criminosas.
No caso brasileiro, e também americano, aplica-se aos sites o mesmo que a Lei de Imprensa destina aos jornais de forma geral. Liberdade de expressão não é anonimato ou isenção diante dos limites da lei. Se as matérias não são assinadas, caso dos Estados Unidos e em muitos casos do Brasil também, a responsabilidade é das redes sociais da internet, uma vez que acusações em mensagens anônimas incitando à violência, à imoralidade e aos crimes têm que ter seus autores identificados. Na ausência deles, a responsabilidade é das empresas que os publicaram, a exemplo de como é nos jornais no Brasil.