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sexta-feira, julho 01, 2022

As vias do vale-tudo




Excessos do bolsonarismo afunilam contraponto

Por Maria Cristina Fernandes (foto)

Sob um estado de emergência, criado ao arrepio de leis eleitorais que sobreviveram até à ditadura, o presidente Jair Bolsonaro protagoniza a campanha do vale-tudo pelo voto. Ainda que faltem três meses para a eleição, o poder de agenda do bolsonarismo, do tumulto à escandalogia, passando pelo abuso da máquina pública, arrisca sair pela culatra. A cada excesso, o contraponto a seu governo mais se concentra. No lulismo.

Enquanto a PEC do vale-tudo se ultimava no Senado um grupo de marqueteiros reunidos pela Secretaria de Comunicação da Presidência esta semana analisou as pesquisas registradas no TSE e chegou a conclusões negativas para as perspectivas eleitorais de Bolsonaro. Entre a benesse e o eleitor, há o muro da rejeição a ser transposto. Por isso, o presidente depende mais do que gostaria da terceira via para garantir um segundo turno.

Debruçaram-se sobre as pesquisas atuais mas ficariam ainda mais preocupados se revisitassem o histórico da terceira via. Das oito eleições presidenciais pós-ditadura, apenas duas findaram no primeiro turno. Desde 1994, porém, os candidatos que buscam furar a polarização nunca tiveram tão fraco desempenho quanto nesta campanha.

O melhor levantamento da praça sobre este histórico foi feito pelo decano da opinião pública brasileira, Orjan Olsen. Os 13 pontos percentuais somados por Ciro Gomes (8%), André Janones (2%), Simone Tebet (1%), Pablo Marçal (1%) e Vera Lúcia (1%), de acordo com o último Datafolha, apenas superam a soma das candidaturas alternativas da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso.

Naquele ano de 1994, não por acaso um dos dois únicos casos de eleição de turno único, as candidaturas de Heloísa Helena, Cristovam Buarque, Ana Maria Rangel, Eymael e Ruy Pimenta somaram 9,8%.

Levantar o histórico dessas eleições é atravessar um oceano de nanicos, mas são eles que, muitas vezes, podem definir a existência de um segundo turno. Foi isso que Olsen mostra ter acontecido em 2006. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar do mensalão, estava com avaliação negativa baixíssima (17%), depois de ter reduzido a inflação pela metade (3,14%). Foi um nanico que impediu eleição de um turno.

O ex-senador Cristovam Buarque, um dissidente do petismo que disputou pelo PDT, teve 2,6% dos votos. Foi menos da metade daqueles obtidos pela terceira colocada, a ex-senadora Heloísa Helena (Psol), mas o suficiente para impedir que Lula, com 48,6% dos votos, liquidasse a fatura na primeira rodada.

Por isso, a saída do páreo de dois desafetos do lulismo, o ex-governador de São Paulo, João Doria, e o ex-juiz Sergio Moro da disputa, pode acabar se voltando contra as pretensões do presidente. Dificilmente repetiriam a dupla Anthony Garotinho e Ciro Gomes que somaram 20% dos votos, respectivamente, como terceiro e quarto colocados em 2002, mas poderiam tornar mais concreto o segundo turno.

Ao bolsonarismo, portanto, resta evitar que os remanescentes se desidratem e permaneçam na disputa como um dique contra o voto útil, movimento que, à medida que se aproxima a eleição, costuma crescer e beneficiar o líder das pesquisas.

Tome-se, por exemplo, a notícia-crime do Ministério da Defesa e dos três comandantes militares contra Ciro pelas críticas ao desempenho das Forças Armadas na fronteira amazônica. De tão estapafúrdia, a notícia-crime parece ter tido um único objetivo, servir de escada para o pré-candidato do PDT tentar reverter o declínio de uma campanha que não conseguiu firmar uma única aliança e só pontua dois dígitos em seu Estado natal.

Como o presidente tem uma rejeição de 55%, facilitar a campanha dos demais candidatos pode ser uma estratégia mais eficaz do que confiar na própria alavancagem, por mais perdulária que esta seja.

Se tiver sido esta a intenção, Ciro pode não dar conta sozinho do recado, embora o pré-candidato do PDT se ocupe de pouca coisa além de bater no PT. Em 1998, Ciro rompeu a barreira dos dois dígitos (11%), mas sua ofensiva contra a polarização, bancada por três partidos (PPS, PL e PAN) só teve a companhia de um único candidato, Enéas Carneiro (Prona), que alcançou os 2%. Foi disputa de um turno só.

Desta vez, dos quatro outros pré-candidatos que pontuam, apenas a senadora Simone Tebet (MDB-MS) aparecia com potencial para ultrapassar André Janones (Avante-MG). O deputado, que construiu base eleitoral nas redes sociais ensinando a fazer cadastro para o auxílio emergencial, ganhou, na campanha, notoriedade por colocar Emmanuel Macron na Presidência da Argentina e emenda para patrocinar sertanejo bolsonarista.

Como a fila do auxílio emergencial se acumula, seus tutoriais terão pouca serventia. Já a senadora tem uma boa imagem a explorar, mas esbarra na inércia da polarização. Variou, no último Datafolha, de 2% para 1%. Parlamentar independente e combativa, Simone não dá sinais de que possa vir a repetir o fenômeno Marina Silva, a melhor performance de terceira via pós-ditadura - 19,3% em 2010 e 21,3% em 2014, quando assumiu a cabeça de chapa no lugar de Eduardo Campos, morto em acidente de avião.

Sua candidatura mantém-se pela aposta de um grupo de empresários e investidores que se mantém unido para, num eventual segundo turno, negociar pauta com um finalista. A vocação democrática da maioria empurra a expectativa de negociação, ainda que a contragosto, para Lula.

A dúvida é o que acontece se as candidaturas alternativas da polarização não somarem votos suficientes para forçarem um segundo turno. Os empresários terão desperdiçado a oportunidade de firmar compromissos com Lula, deixando o candidato mais à mercê de seus aliados tradicionais da esquerda.

Ante uma reeleição difícil contra dois ex-ministros (Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta), Simone parece ter pouco a perder numa campanha com potencial para projetar seu nome para 2026. Mas a permanecer num patamar tão baixo corre o risco de jogar fora a oportunidade de negociar a mediação junto ao agronegócio, setor que a militância petista por indígenas, reforma agrária e desarmamento torna o mais difícil de todos para Lula.

A radicalização imposta pelo presidente ao longo dos três meses que faltam para as eleições conduz ao afunilamento. A da gastança tenta forçar um segundo turno, mas a do esgarçamento das instituições empurra para o primeiro.

Valor Econômico

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