Thomas Traumann
Veja
Foram só seis meses. Em outubro, Jair Bolsonaro teve 58 milhões de votos, perdeu a reeleição pela menor diferença de votos na história e saiu das urnas como o maior líder da extrema-direita brasileira. Sua base política — o agronegócio, os evangélicos e os oligarcas do Centrão — tem a maioria da Câmara e do Senado. Seus candidatos venceram os governos de dezessete Estados.
Sem a caneta presidencial, sem a fibra para liderar a oposição, envolvido em uma dúzia de processos civis e criminais e com parte da equipe comprovadamente envolvida na tentativa de golpe, Bolsonaro definhou.
SEU SUCESSOR – Nas avenidas Faria Lima, Paulista ou Ataulfo de Paiva, a pergunta é uma só: quando Bolsonaro vai dar lugar ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas?
Com as desventuras em série envolvendo Bolsonaro, a dúvida em Brasília, em São Paulo e no Rio não é mais se ele será considerado inelegível pela Justiça, mas se além disso também será preso. Nesta semana, a sua sucessão foi debatida publicamente por dois dos seus maiores aliados.
“Ele jogou fora a possibilidade de reeleição? Sem dúvida. Outro nome de direita como Romeu Zema, Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr. vai desperdiçar essa chance e errar tanto? Então, talvez Bolsonaro seja melhor cabo eleitoral do que candidato”, disse Arthur Lira a O Globo.
DISSE COSTA NETO – Em entrevista ao Valor, o presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar da Costa Neto, foi explícito:
Valor: Flávio (o filho primogênito) é o herdeiro político do Bolsonaro?
Valdemar: Se acontecer alguma coisa com o Bolsonaro, Flávio pode ser candidato a presidente. Ele tem que ir bem lá [no Rio]. O Eduardo Bolsonaro é bom também. Um é diferente do outro. O Eduardo é o cara do batente, o Flávio é mais cabeça. E tem o Tarcísio em São Paulo, que é um fenômeno.
Valor: Mas ele não é do PL…
Valdemar: Não é, mas amanhã pode ser.
Governador de São Paulo sem nunca ter morado no estado, Tarcísio tem uma avenida aberta à sua frente. Um dia se comporta como um hidrófobo e anuncia a mudança do nome da estação de metrô Paulo Freire. Noutro, age com sensatez. Esteve na comitiva de governadores que visitou o Supremo Tribunal Federal depois da invasão golpista de 8 de janeiro, participou com Lula da visita aos desabrigados do litoral paulista e anunciou apoio à proposta de reforma tributária.
OUTRAS FALHAS – Há erros como a falta de providências contra a Secretaria que divulgou informação falsa sobre cancelamento de investimentos ucranianos no Brasil e a demora nos resultados de segurança na Cracolância, onde foram registrados na polícia 9.491 assaltos em quatro meses.
Mas há acertos como ter como articulador político um expert como Gilberto Kassab. E há falhas a serem corrigidas, como a falta de um economista de primeira linha no secretariado.
Ao mesmo tempo, o governador mostra calculada consideração pública com Bolsonaro. Perguntado por Andréia Sadi, da GloboNews, sobre um possível candidato a presidente, ele foi cauteloso: “Eu não vou disputar nunca com uma pessoa que me abriu todas as portas”.
ACM E TRUMP – Como dizia Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), a política é a única profissão que você pode ressuscitar sem precisar morrer antes. Preso e com o partido estraçalhado em 2020, Lula da Silva parecia um zumbi antes de ressuscitar a partir da derrocada do próprio Bolsonaro.
Nos EUA, Donald Trump se viu enredado numa sucessão de processos muito similar ao de Bolsonaro, mas hoje é o favorito para ser o candidato republicano.
Políticos do Centrão e os operadores do mercado financeiro podem estar se apressando ao antecipar a morte política de Bolsonaro. Na feira Agrishow, em Ribeirão Preto, na terça-feira, Bolsonaro circulou ao lado de Tarcísio aos gritos de “mito”. A força popular do ex-presidente é inegável, mas há sinais de esgotamento.
CASO DA VACINAÇÃO – Levantamento de redes sociais da Quaest mostrou que a ação da PF de quarta-feira sobre a carteira de vacinação de Bolsonaro teve 30 milhões de interações nas primeiras 24 horas — o maior volume de discussão de qualquer assunto político no ano. Depois do susto, os bolsonaristas até conseguiram se unir em torno da vitimização do ex-presidente, mas a tese da “perseguição” ficou restrita à bolha.
Segundo a Quaest, 81% de todas as postagens sobre o tema foram negativas a Bolsonaro. A derrota de Bolsonaro ocorre depois que o filho estrategista, Carlos, abandonou as redes do pai.
Como as redes sociais formam um ecossistema majoritariamente bolsonarista, é uma derrota importante. No seu perfil no Twitter, o cientista político Christian Lynch fez uma provocação:
AFIRMOU LYNCH – “Não é que a hegemonia conservadora tenha passado. É o contrário. A ocupação de espaços institucionais pela direita é que tem permitido o retorno a uma rotina política. Meu ponto é que essa direita não será mais cavalgada pelos radicais, e muito menos pela quadrilha Bolsonaro”.
Por este raciocínio, a direita conservadora representada por Tarcísio de Freitas tentará um equilíbrio difícil: ficar perto do ex-presidente o suficiente para obter sua benção e herdar sua base popular, mas ao mesmo tempo tomar distância do golpismo.
Não é simples, mas Tarcísio já tem o apoio majoritário da elite antilulista para assumir a liderança da direita.