Por Geraldo Luís Lino
Se alguma evidência ainda fosse necessária, o veto imposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à perfuração de poços exploratórios da Petrobras no litoral norte do Amapá coloca em pauta a urgente necessidade de o Brasil revisar os superpoderes atribuídos aos órgãos ambientais.
De fato, não deveria ser concedido a tais órgãos o poder de veto absoluto sobre projetos e empreendimentos produtivos. Seu papel deveria limitar-se prognosticar os impactos socioambientais, exigir dos empreendedores públicos e privados medidas mitigadoras e compensatórias adequadas e acompanhar e cobrar a sua implementação, se preciso, judicialmente. As exceções à regra, nas quais se considerassem que os impactos negativos poderiam superar os benefícios socioeconômicos dos emprendimentos (casos que a experiência tem demonstrado serem raríssimos), poderiam ser julgadas por um colegiado interministerial próprio, apto a avaliar a situação com um olhar mais equilibrado que o de tecnocratas que, não raro, colocam o zelo ideológico e o apreço por uma visão idílica do meio ambiente adiante das evidências científicas e técnicas, do mero senso comum e do interesse público.
No caso em questão, poços exploratórios para avaliar a viabilidade comercial dos hidrocarbonetos da Bacia da Foz do Amazonas, integrante da chamada Margem Equatorial Brasileira, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, o Ibama atua com uma indisfarçável intenção de inviabilizar essa vasta nova fronteira exploratória, que já proporciona bons resultados em formações geológicas semelhantes na Guiana e no Suriname (embora não tenha sido encontrado óleo comercial na Guiana Francesa). As motivações seguem claramente uma visão “biocêntrica”, que coloca a proteção do meio ambiente como o elemento fundamental da organização da sociedade e da economia, acima até mesmo do bem-estar social. De forma sintomática, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que joga todo o seu peso político em favor do órgão, chegou a respaldar a decisão usando despropositados argumentos de cunho religioso.
As justificativas não resistem a uma análise lógica e racional, a maioria baseando-se na eventualidade de um vazamento de óleo. Ora, o poço pretendido situa-se a cerca de 160 km da costa do Amapá ao largo do município de Oiapoque, área onde prevalece a Corrente Norte do Brasil, que flui de sudeste para noroeste. Um eventual vazamento tenderia a espalhar-se em alto mar, em vez de aproximar-se do litoral (lembrando que este detalhe não está impedindo a exploração nos países vizinhos). A má-vontade fica evidente, inclusive, na avaliação de uma modelagem da dispersão de um vazamento hipotético, feita ainda em 2013 pelas empresas BP e Total, então detentoras da concessão da área (da qual desistiram pelas protelações do Ibama), que, apesar de aprovada em 2018, foi agora considerada “defasada”, como se as condições oceanográficas, meteorológicas e a morfologia costeira da região tivessem se alterado no período.
Outro argumento refere-se aos mal denominados “recifes” da foz do rio Amazonas, trombeteados por ONGs ambientalistas como o Greenpeace, mas devidamente desqualificados como entidades biológicas por diversos estudos sérios, sendo, na verdade, bancos de algas vermelhas (rodolitos) fósseis com idades estimadas entre 15-20 mil anos. Efetivamente, segundo um estudo de 2018 da Universidade Federal Fluminense (UFF), não existem corais nas águas profundas turvas e escuras entre o Amapá e o Maranhão.
Ainda mais bizarro é o pretexto dos “impactos advindos da rota das aeronaves no meio socioeconômico”, eufemismo para um suposto incômodo de indígenas do litoral com o sobrevoo dos helicópteros a serviço da empresa – devidamente desmentido pelo governador do Amapá, Clécio Luís, e desqualificado pelo apoio de várias comunidades indígenas de Oiapoque ao projeto da Petrobras.
Ademais, é preciso levar em conta a vasta experiência da Petrobras em poços submarinos. Além de vazamentos serem raríssimos em poços exploratórios, de 1968 até hoje, a empresa já perfurou no mar mais de mil poços de produção sem qualquer vazamento relevante, o que, certamente, lhe confere a capacidade de responder de forma adequada a qualquer emergência do gênero.
Por outro lado, além de rever os superpoderes dos órgãos ambientais, o Brasil precisa reavaliar a sua atitude geral em relação às pautas ambientais globais. A começar pela ilusória pretensão de apresentar-se como uma “potência verde”, supostamente capaz de oferecer ao mundo uma gama de “serviços ambientais” baseados na captura de carbono, em troca de investimentos ditos “sustentáveis”. O País precisa, isto sim, empreender um vasto esforço de reindustrialização e modernização produtiva em geral, no qual os cuidados ambientais e a atenção às comunidades indígenas sejam inseridos como elementos correlatos ou sinérgicos, mas não impeditivos. Trata-se, em essência, de converter-se em uma potência produtiva moderna.
Para tanto, é imprescindível abandonar a propensão a um injustificável complexo de culpa que se manifesta desde o início das campanhas de pressões políticas, principalmente, as referentes à Amazônia. A própria criação do Ibama, em 1989, foi uma resposta apressada do governo de José Sarney à enorme publicidade negativa advinda do assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em dezembro de 1988, que, com o grande alarde feito em torno das queimadas na Amazônia, ajudou a rotular o País como o suposto “vilão ambiental número um” do planeta. Desde então, quase todos os governos nacionais adotaram uma posição reativa e virtualmente submissa em relação à agenda ambiental, com o agravante de usá-la como forma de atrair recursos externos das potências industrializadas controladoras do movimento ambientalista-indigenista internacional, que, por seu turno, fazem uso deles para influenciar as políticas nacionais de acordo com os seus interesses.
Interesses para cuja defesa essas potências não hesitam em colocar o meio ambiente em plano inferior. A Noruega, principal doadora do Fundo Amazônia, está pedindo às empresas petrolíferas para ampliarem a exploração no Ártico, cujos ecossistemas são tão ou mais delicados que os amazônicos. A França de Emmanuel Macron quer uma “moratória” nos regulamentos ambientais da União Europeia (UE), para facilitar a sua reindustrialização. A Alemanha abate florestas para explorar linhito, a forma mais pobre e poluente de carvão, para alimentar usinas termelétricas. A própria UE, tão “preocupada” com o desmatamento no Brasil que acaba de aprovar uma lei para impedir a importação de produtos agropecuários e florestais oriundos de áreas desmatadas, está passando a motosserra nas suas florestas nativas restantes para a produção de pelotas de lenha para a geração elétrica, prejudicada pela suspensão das importações de gás natural e petróleo baratos da Rússia. E por que não ouvimos falar das florestas boreais, que ocupam uma extensão duas vezes maior que o território brasileiro, mas cuja taxa de desmatamento é 50% maior que a do bioma Amazônia e com uma área de proteção formal equivalente a 10% da das florestas equatoriais? Talvez, porque elas se espalhem majoritariamente por países industrializados do Hemisfério Norte, entre eles alguns dos mais “preocupados” com a Amazônia – ou pelo fato de 60% delas se encontrarem em território russo.
O aspecto positivo de todo o imbróglio é que, até mesmo para apoiadores do governo Lula e simpatizantes não radicalizados das causas ambientais e indígenas, está ficando evidente a necessidade de novas regras na política ambiental brasileira, mais equilibradas e consentâneas com os interesses maiores do País.
Todavia, precisamos deixar de ser ingênuos e parar de disputar com juniores a “Premier League” da geopolítica e dos altos interesses internacionais – e, claro, cuidar adequadamente dos nossos.
MSIa