Publicado em 24 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
Quase dois meses após a Cúpula do Clima do presidente Joe Biden, as negociações sobre ambiente entre Brasil e Estados Unidos foram congeladas. A paralisação coincide com o aumento do desmatamento na Amazônia e a operação da Polícia Federal que atingiu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles., que acaba de ser demitidp
A última reunião técnica entre negociadores das administrações Jair Bolsonaro e Biden ocorreu no início de maio. Na ocasião, técnicos do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente realizaram uma videoconferência com Jonathan Pershing, assessor do enviado especial para o clima, John Kerry.
FINANCIAMENTO – O objetivo era tentar encontrar um modelo de financiamento americano para ações de preservação ambiental no Brasil. Ao final da videoconferência, os participantes acordaram que teriam uma nova conversa nas semanas seguintes, mas desde então não houve pedido de agendamento pelas partes.
Kerry participou diretamente de duas —Salles esteve nos dois encontros, tendo sido acompanhado em um deles pelo ex-chanceler Ernesto Araújo e, no outro, pelo novo chefe do Itamaraty, Carlos França. As cinco reuniões restantes foram feitas em nível técnico.
Salles também marcou presença em algumas das videochamadas técnicas. Em uma delas, apresentou um slide com a imagem de um cachorro abanando o rabo na frente de espetos de frango assado, numa alegoria ao apetite do Brasil por doações internacionais.
SEM CALENDÁRIO – O Itamaraty disse que as reuniões técnicas não são “negociações formais”, mas “exercício exploratório”. Também afirmou que não existe um “calendário predefinido” para os encontros. A embaixada dos Estados Unidos não respondeu.
Na quinta-feira (17), França conversou por videoconferência com o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken. De acordo com o Departamento de Estado, Blinken discutiu com França as metas climáticas do Brasil, “duplo financiamento para eliminar o desmatamento ilegal até 2030, e a necessidade de sustentar essas metas com passos concretos de implementação a curto prazo”.
Em uma série de mensagens no Twitter, o Itamaraty afirmou que os dois “trataram de prioridades convergentes das duas chancelarias: diplomacia da saúde, recuperação econômica e promoção do desenvolvimento sustentável”.
SEM CONTINUIDADE – Segundo pessoas que acompanham o assunto, não houve sinalização sobre a retomada da rodada de negociações entre os auxiliares de Kerry, o Itamaraty e o Meio Ambiente.
Pouco mais de dez dias após a última reunião técnica, ainda em maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra Salles e o agora presidente afastado do Ibama, Eduardo Bim.
A corporação apura suspeitas de crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando que teriam sido praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro. A operação envolve informações repassadas pelo governo dos EUA, que avisou as autoridades brasileiras sobre uma carga de madeira ilegal apreendida no porto americano de Savannah (Geórgia).
IRREGULARIDADES – Salles nega ter cometido irregularidades. Desde a deflagração da operação, a agenda do ministro registra um grande número de dias em que ele cumpre apenas despachos internos ou não tem compromisso oficial.
Interlocutores ouvidos pela Folha disseram não ser possível determinar se Kerry resolveu congelar as tratativas devido à investigação contra Salles.
No entanto, existe a avaliação entre especialistas que a administração Biden pode ter considerado um constrangimento sentar-se para negociar com um ministro acusado de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira —ainda mais em uma investigação iniciada em território americano.
OUTRO COMPLICADOR – A situação do agora ex-ministro não é o único fator que gera desconfiança em Washington. Na Cúpula do Clima realizada no final de abril, Bolsonaro prometeu zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e duplicar os recursos disponíveis para fiscalização ambiental no país.
“Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”, disse Bolsonaro na ocasião.
Porém, no dia seguinte à cúpula, Bolsonaro sancionou o Orçamento de 2021 e cortou R$ 240 milhões do Ministério do Meio Ambiente. No final de maio, o Planalto enviou ao Congresso um projeto para recompor a verba da pasta em R$ 270 milhões.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A demissão de Salles pode até ajudar que haja algum entendimento com os Estados Unidos. Mas na verdade, enquanto não parar o desmatamento, o Brasil será para sempre um pária diplomático, ou anão diplomático, como preferirem. (C.N.)