André Souza e Julia Lindner
O Globo
O servidor Luis Ricardo Miranda, lotado no Departamento de Logística do Ministério da Saúde, disse à CPI da Covid, no Senado, que foi informado de que alguns gestores da pasta estavam recebendo propina por vacinas. Isso foi mostrado por Luis Ricardo, que trabalha há mais de uma década no Ministério, por meio de prints de mensagens. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), perguntou: “Que servidor pediu propina?”
Luis Ricardo respondeu: “O ministério estava sem vacina. E um colega, Rodrigo, servidor, disse que um rapaz vendia vacina. E esse rapaz disse que alguns gestores estavam recebendo propina. Ele não disse nomes”.
FORAM A BOLSONARO – Numa sessão tumultuada, sobretudo por senadores governistas, foi sugerida a convocação do servidor identificado por Luis Ricardo com Rodrigo.
Ao depor, Luis Ricardo e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), disseram ter denunciado pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.
Luis Ricardo também mostrou à CPI da Covid as mensagens que recebeu de seus superiores pressionando pela liberação da Covaxin. As cobranças, conforme ele mostrrou, foram feitas à noite e aos domingos. De acordo com os irmãos Miranda, houve uma pressão atípica para a importação do imunizante.
PRESSÃO DO CORONEL – Em uma das mensagens, na qual o servidor avaliou ter havido pressão fora do normal para assegurar autorização da importação, o coronel Marcelo Bento Pires, que trabalhava como assessor na Secretaria-Executiva da Saúde, chegou a compartilhar o contato do sócio da Precisa, Emerson Maximiano. No texto, disse que o representante da empresa conversou com o secretário-executivo Elcio Franco naquela mesma sexta-feira (19 de março) para “agilizar” a liberação ainda naquela semana.
“Durante toda a execução desse contrato, diversas mensagens recebi, ligações, chamadas no gabinete sobre o status do processo desse contrato” — contou Luis Ricardo.
CÚPULA DO MINISTÉRIO – O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se ele reportou a pressão que sofria por causa da Covaxin a seus superiores no Ministério das Saúde. O servidor disse que não, porque a pressão partiu justamente de dois superiores dele na pasta.
‘Com essa pressão e a forma como a gente recebeu os documentos, toda a equipe do setor não se sentiu confortável com essa pressão, a falta de documentos. Como os meus dois superiores estavam pressionando, eu conversei com meu irmão, que passou para o presidente” — disse Luis Ricardo.
Luis Ricardo, que é servidor de carreira do Ministério da Saúde, concursado, disse que o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, mentiu ao acusá-lo de falsificar um documento sobre a importação da vacina indiana Covaxin. A fala do servidor de carreira foi uma resposta a Renan Calheiros.
RECIBO INVOICE – Onyx acusou Luis Ricardo e seu irmão de terem falsificado o documento chamado de “invoice”. O recibo, entretanto, está disponível no sistema do Ministério da Saúde e pode ser obtido por integrantes do governo a qualquer momento, conforme atestado pelo GLOBO.
Um dos principais pontos da oitiva é justamente a autenticidade de um recibo da pasta, que, segundo Luis Ricardo, evidencia ilegalidades na aquisição do imunizante. Onyx e o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco levantaram suspeitas com relação a uma cópia de uma fatura de importação apresentada por Luis Ricardo e seu irmão.
“Onyx mentiu ao fazer aquelas acusações? É isso mesmo?” — perguntou o relator da CPI. “Sim” — disse Luis Ricardo.
ALERTA A BOLSONARO –Em sua fala inicial, o deputado Luis Miranda disse que, apesar da justificativa de que as notas fiscais envolvendo a Covaxin foram ajustadas, o teor dos documentos só foi modificado após o seu irmão se recusar a assiná-lo e depois da visita dos irmãos ao presidente Jair Bolsonaro para relatar possíveis irregularidades.
“O governo fala com muita tranquilidade, em especial o senhor Onyx (Lorenzoni), de que o tal documento foi logo depois corrigido, esse “logo depois” foi depois da visita ao presidente da República e porque o meu irmão não assinou o documento que eles queriam” — alegou Miranda.
O deputado também confirmou que informou Bolsonaro sobre as suspeitas de irregularidade na compra da Covaxin. Na conversa, o presidente teria citado o nome de um parlamentar, segundo disse Miranda. No entanto, ele diz não se lembrar quem era esse parlamentar.
COM ZERO TRÊS – Miranda disse que conversou na Câmara com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, sobre as irregularidades relatadas pelo irmão e alertou que uma hora isso poderia estourar no governo.
Já o servidor disse que, na conversa com Bolsonaro, citou os nomes dos servidores que o pressionavam: Alex Lial Marinho, o coronel Marcelo Bento Pires e Roberto Ferreira. Questionado o que Bolsonaro disse que faria, Luis Ricardo respondeu:
“Ele ia apresentar à Polícia Federal para investigar”.
Questionado se recebeu ameaças, afirmou que apenas de Onyx, em razão da entrevista que o ministro deu recentemente, após as denúncias se tornarem públicas. O ministro, ao levantar suspeitas de que o servidor teria adulterado documentos, afirmou que ele seria investigado pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Luis Ricardo disse ainda desconhecer a aberturar de alguma sindicância no Ministério da Saúde para apurar o caso.
CHANTAGEM A PAZUELLO – O deputado Luis Miranda disse que avisou o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello sobre os indícios de irregularidades na negociação para a compra da Covaxin, após já ter alertado sobre isso a Bolsonaro. Na ocasião, o general teria afirmado, segundo o parlamentar, que acreditava que seria exonerado após não ceder à pressão de parlamentares para liberar “pixulé” para um grupo de deputados.
“Uma coisa que ele disse foi: No final do ano mesmo, eu não quis dar o pixulé para o pessoal e olhando no meu olho, ele (parlamentar) disse que iria me tirar dessa cadeira” — contou Miranda sobre a conversa que teve com Pazuello.
— Ele olhou para a minha cara, uma cara de descontentamento, e disse assim: “Luis, eu não duro mais nem essa semana, é certeza. Vou ser exonerado. Eu tenho conhecimento de algumas coisas, tento coibir, mas exatamente por eu não compactuar com determinadas situações, eu vou ser exonerado.
PEDIDO PROPINAS – De acordo com o Luís Miranda, outros deputados pressionavam Pazuello a liberar emendas. Ainda de acordo com o Luis Miranda, Pazuello queria lançar uma vacina brasileira, mas estava sendo atrapalhado. Em seguida, o presidente da CPI lembrou que o ex-ministro, em seu depoimento na comissão, não relatou esse episódio.
“Ele veio aqui e não falou isso, não. Perguntamos por que foi exonerado e ele disse: missão cumprida” — lembrou Aziz.
O senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) disse que é dever do servidor falar com o superior imediato sobre irregularidades. Mas a denúncia foi feita diretamente ao presidente Bolsonaro. Luis Ricardo explicou que a pressão partia justamente do superior Alex Lial Marinho e do “superior do superior” Roberto Ferreira. Acima deles, estavam na sequência: o secretário-executivo da pasta, o ministro da Saúde e, por fim, o próprio Bolsonaro.
“Secretário e ministro não tenho contato direto. Então o superior do ministro é o presidente” — disse Luis Ricardo.
NOMEAÇÃO DELE – A base aliada quis saber a relação entre a nomeação dele para um cargo de chefia e o fato de ter um irmão parlamentar. Dessa vez, foi o deputado Luis Miranda quem respondeu
— Meu irmão está no cargo desde 2016. Eu fui eleito em 2018. Se ele for tirado de lá, não chega mais vacina ao Brasil. Sem ele, não tem vacina chegando na velocidade que está chegando.
Em outro momento, Marcos Rogério argumentou que os problemas na documentação da Precisa foram resolvidas após intervenção do setor do servidor Luis Ricardo. O irmão dele reagiu. ”Só corrigiu porque fomos ao presidente!” — disse o deputado Luis Miranda.