Publicado em 25 de junho de 2021 por Tribuna da Internet
Igor Gielow
Folha
O tão antecipado depoimento dos irmãos Miranda à CPI da Covid descambou para uma batalha campal na qual a histeria dos parlamentares bolsonaristas mostrou o quanto o caso Covaxin entrou para ficar no gabinete de Jair Bolsonaro.
Era fogo contra fogo, como a chegada do deputado depoente Luis Miranda (DEM-DF) provou: um espetáculo bolsonarista clássico, o sujeito com passado questionável com um colete à prova de balas e uma Bíblia debaixo do braço.
SERVIDOR PÚBLICO – Seu irmão, o quase homônimo Luis Ricardo, encarnou o personagem do bom servidor público quase à perfeição. Depôs trêmulo, inicialmente em mangas de camisa, fisicamente moído após acompanhar um voo cheio de vacinas vindo dos EUA.
“Meu partido é o SUS”, foi o ótimo lema de campanha que o funcionário da Saúde enunciou, emulando o “Meu partido é o Brasil” de Bolsonaro em 2018. Estabeleceu empatia, mas foi engolido pela persona bolsonarista do irmão, que o complicou em diversos momentos.
A acusação envolvendo a vacina indiana Covaxin, em si, é grave e foi ratificada pelos dois irmãos. Mas não houve até aqui nada que sugerisse uma novidade fatal para o governo. Não houve um momento Duda Mendonça.
SEM SURPRESAS – Se na CPI de 2005 o marqueteiro de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impressionou o mundo político ao confessar espontaneamente ter recebido milhões no exterior, o caso atual já tinha tido toda sua estrutura delineada quando os irmãos sentaram à mesa.
Culpe-se a velocidade da comunicação em tempo real dos dias de hoje ou a falta de estratégia, mas a sensação de fim de mundo que tomou o governismo naquele 11 de agosto quase 16 anos atrás não compareceu ao Senado, apesar da torcida.
Parte disso pode ser debitado da conta da CPI da Covid, que criou uma jabuticaba parlamentar ao colocar os irmãos falando lado a lado. Por óbvio, depoentes precisam ser expostos a contradições eventuais, e não receber palco para um jogral.
ECOS DESESPERADOS – Não que o estrago que o caso está causando não tenha sido estabelecido. Os perdigotos e os berros dispensados mais cedo pelo presidente Bolsonaro encontraram eco revelador na bancada de seus prepostos, senadores Marcos Rogério (DEM-MG) e o líder Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) à frente.
A dupla beirou a apoplexia no seus embates com o comando da CPI e com os irmãos Miranda. Rogério foi humilhado ao ser questionado pelo presidente Omar Aziz (PSD-AM) qual seria a “motivação conhecida” do deputado Luis para fazer sua denúncia. Calou-se, encolhido sob o manto da imunidade parlamentar.
Os pontos centrais, que emergiram de um depoimento ao Ministério Público de Luis Ricardo, se mantiveram como suspeitas a serem esclarecidas. Mais importante, a entrada de Bolsonaro e seus filhos como personagens ativos da trama não foi desmontada pela tática governista de jogar na confusão.
TUDO JÁ SE SABIA – E que confusão. A gritaria serviu aos governistas, já que tornou uma história intrincada de compreensão impossível para quem não conhecia os detalhes dela previamente.
Se alguém ligou a TV para tentar entender do que estavam falando, se perdeu. Ocorre que, politicamente, aqueles que veem na Covaxin motivo para um impeachment já, ou os que desqualificam de forma liminar os irmãos dificilmente mudarão suas opiniões preexistentes.
Isso não elimina as estranhas lacunas por parte dos depoentes. O teatral deputado Luis Miranda, que parecia querer comandar os trabalhos e até trouxe um Power Point, foi no mínimo inconvincente ao afirmar que não se lembrava o nome de um deputado supostamente corrupto citado pelo presidente em conversa —embora poucos tenham dúvida sobre quem seja.
QUEM SAIU PERDENDO? – Ficaram péssimos na foto o secundário ministro Onyx Lorenzoni e o ex-número 2 da Saúde, Elcio Franco, que acusaram fraude em um documento na entrevista em que ameaçaram usar o peso do Estado contra a dupla Luis e Luis. Se não bastassem os fatos, coube ao próprio Marcos Rogério dizer que o papel era legítimo.
Falta muito a apurar no caso, que traz ao centro a gestão do general Eduardo Pazuello na Saúde. Como apontou o senador Humberto Costa (PT-PE), o centro parece estar na empresa intermediária, a Precisa.
Acuado no caso Covaxin, o presidente tentou mudar o foco demitindo “a pedido” o polêmico Ricardo Salles (Meio Ambiente), viu sua popularidade derreter ainda mais em nova pesquisa de opinião e uma nova rodada de protestos contra si marcada para 24 de julho. Sem implodir a República, como teria dito o deputado Luis, o depoimento duplo coroa uma semana horrenda para o Planalto.