Levi Vasconcelos, de A Tarde
Os carros de som estrilam nas ruas de São Francisco do Conde: “Domingo (hoje) Raça Negra e Saia Rodada abrem o ciclo de festas populares em Santo Estêvão! Não perca!” Santo Estêvão é um pequeno povoado a pouco mais de mil metros da Refinaria Landulpho Alves. Chegar lá é problemático. A estrada é cheia de buracos e é muito comum ver nas portas das casas a placa de “Vende-se”. Perto dali, não mais que 500 metros, está Curupeba, uma favela dentro do manguezal que os prefeitos prometem acabar e nunca cumprem.Miséria no interior baiano é tão comum quanto banana, mas, no caso em apreço, não justifica. A dinheirama que jorra dos tanques da refinaria, a segunda maior do Brasil, faz de São Francisco do Conde o município mais rico da Bahia. Com apenas 30 mil habitantes e R$ 18 milhões mensais de arrecadação, deveria ser um exemplo de bem-estar, mas não é. “O povo não vê esta riqueza, infelizmente. A saúde não é boa, as escolas não têm qualidade e os bolsões de miséria são crônicos. É triste, mas é assim”, lamenta o ex-vereador José Carlos Araújo Lima, o Pipia, pré-candidato a prefeito do PSB.Diferenças entre os demais municípios baianos São Francisco esbanja. Na administração, a corrupção parece ser crônica. É impressionante o volume de repasses para a Câmara de Vereadores, 8% da receita, como manda a lei: R$ 13.556.733,92, segundo a prestação de contas apresentada ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) no ano passado, mais dinheiro do que 316 dos 417 municípios baianos arrecadam, todos com 30 mil habitantes ou menos. Mordomia – O povo passa mal, mas vereador em São Francisco goza de regalias como em nenhum outro lugar. Todos eles possuem um gabinete com dois assessores, um celular com limite de gasto não revelado, e um automóvel para cada com gasolina e manutenção pagas pela Câmara. O argumento é o de que o município é grande e o vereador precisa se locomover, apesar do território ter apenas 267 quilômetros quadrados, dos menores do Estado. O prédio da Câmara é antigo, de 1693, apertadinho. Nele cabem 210 funcionários. É mais gente do que na Câmara de Feira de Santana, o segundo maior município da Bahia, com 570 mil habitantes, cuja Câmara, com 19 vereadores, o dobro, tem 43 servidores efetivos e 134 nomeados, um total de 177.A vereadora Rilza Valentim, virtual candidata a prefeita do PT, diz a frase lapidar: “O problema de São Francisco é o que deveria ser a solução: o dinheiro”. Mas quando fala em mudar a forma de distribuição de receitas, ela discorda: “Se há corrupção, cabe a quem de direito punir culpados e corrigir as distorções. Nossa fonte de arrecadação é a refinaria. Foi construída em cima de um manguezal. Não é justo que a gente fique com este passivo ambiental e outros levem o dinheiro”. A presidenta da Câmara, Sônia Batista (PMDB), não foi localizada.Paratinga – “O mais grave de tudo isso é que as câmaras de vereadores não têm atividades finalísticas. Não calça rua, não mantém escola, não bota esgoto e coisas que todos os prefeitos fazem”, diz o prefeito de Governador Mangabeira, Antônio Pimentel (PR), também consultor da União dos Municípios da Bahia (UPB). Em tese de conclusão de um curso de pós-graduação em auditoria governamental, na Universidade Católica de Salvador, Pimentel traçou um comparativo entre os municípios de São Francisco e Paratinga, com bases nas contas relativas a 2004, conforme pode ser visto na infografia que ilustra esta página.“São Francisco tem 267,6 quilômetros quadrados, Paratinga tem 2.825. Isso quer dizer que o prefeito de lá tem muito mais custos para deslocar professores, profissionais de saúde e pacientes, e também executar obras como a manutenção das estradas vicinais”, lembra, para assinalar que a raiz do problema está na má distribuição de receitas. Os 5.562 municípios brasileiros receberam R$ 27 bilhões de FPM e R$ 35 bilhões de ICMS, além de R$ 16 bilhões de royalties, item que privilegia apenas 800 municípios brasileiros, entre eles, São Francisco, que já tem um gordo ICMS, razão da sua grande renda.Pimentel lembra que os pequenos municípios também arrecadam muito pouco de tributos municipais. “A forma de distribuição das receitas é no mínimo absurda e injusta. Não dá para conceber que São Francisco tenha uma receita de ICMS 84 vezes maior do que Paratinga, com a mesma população. Este tipo de política gera o que vemos: a população foge dos pequenos municípios na direção dos grandes centros. Aí você vê um esvaziado e outro cheio de problemas. Camaçari, São Francisco e os outros ricos nunca resolverão suas demandas, porque a riqueza atrai mais gente”, diz. Mudar as regras do jogo é o que os mais pobres querem. Os ricos se opõem, claro.
Fonte: A TARDE
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