Villas-Bôas Corrêa, repórter político do JB
O espetáculo circense que vem sendo protagonizado pelo presidente Lula num dos cantos do picadeiro e pela desentendida oposição do outro, bem analisadas as razões de cada lado, leva à conclusão de que ambos não cometem o pecado da incoerência.
Lula e a oposição apenas trocam os lugares como irmãos siameses que se reconhecem no verso e reverso do jogo político. O presidente esgoela-se para pendurar no pescoço da oposição a tabuleta da incoerência ao combater a cobrança do imposto sobre o cheque que sempre defendeu durante o bisado mandarinato do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. No contra-ataque, a oposição verbera a incoerência de Lula na briga pela prorrogação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, a CPMF do nome oficial, que ele e o seu partido sempre combateram como sendo o imposto que onera a classe média e respinga nos pobres.
Na mesma travessura dos quatro cantos, o presidente e a oposição cruzam as setas no tema mais delicado e suspeito da reeleição: FHC jogou pesado, com a ajuda dos brejeiros votos amazônicos, para emplacar o segundo mandato sob o fogo cerrado da ira oposicionista; Lula não apenas moveu céu e terra para a consagração do bis com 60 milhões de votos como estaria mexendo os pauzinhos na moita para vender o terceiro mandato a troco da reforma política que extinguiria para sempre a reeleição, dourando a pílula com o mandato de cinco anos para presidente, governador e prefeito.
Ora, tanta laúza por tão pouco ou por nada. Pois nem o presidente Lula está sendo incoerente nem a oposição deve enfiar na cuca o gorro da leviandade. Basta que se olhem no espelho com atenção e com a vista limpa de preconceitos para que reconheçam que são gêmeos univitelinos, vinhos da mesma pipa, sapatos do mesmo pé.
Oito anos da Presidência de FHC e os quatro anos, 10 meses e 17 dias do principado de Lula foram mais do que suficientes para comprovar o que entrava pelos nossos bugalhos, mas que teimávamos em não acreditar. As diferenças mais táticas do que programáticas entre os manos desavindos foram sendo apagadas como riscos de giz no quadro-negro à medida que tênue maquiagem era desfeita pela aragem dos desacordos, em que se resume a luta pelo poder.
Nem o presidente ou o PT têm qualquer compromisso ideológico com o socialismo - tanto que se refugiam no vago toldo da esquerda, um substantivo que tanto serve como sinônimo do populismo como para o ponta que fecha a escalação dos times de futebol.
Como todos os truques, lá um dia a esperteza é descoberta. É o que estamos assistindo neste vexaminoso momento de decadência moral, de desperdício com o dinheiro público, de gastança irresponsável dos três poderes, da série de escândalos impunes, do mensalão, do caixa 2, dos correios, das ambulâncias que denuncia a hipocrisia que grassa como praga e nada poupa.
No despenhadeiro de morro abaixo, as desculpas e potocas de improvisos presidenciais não desviam a enxurrada que transborda para todos os lados.
A oposição saltita nas picuinhas entre siglas tão ocas como imbaúbas e não consegue amassar o consenso para derrubar o imposto do cheque. E menos ainda para enfrentar o dever de denunciar a imoralidade das mordomias, da madraçaria da semana parlamentar de dois a três dias úteis, da verba indenizatória, da gastança com o funcionalismo, das obras inúteis à impunidade do corporativismo.
E o presidente Lula não tem como negar a evidência de que o dinheiro está sobrando no excesso de R$ 35,7 bilhões da arrecadação de impostos e contribuições federais e na caçoada das mordomias no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, muito além dos R$ 40 bilhões da tunga do imposto do cheque.
Fonte: JB Online
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