Laísa Dall’Agnol
Veja
Enquanto o governo Luiz Inácio Lula da Silva patina na tentativa de equilibrar o elo histórico com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os interesses do agronegócio, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, se vê em meio a um fogo cruzado para manter o bom relacionamento com o setor. Entre ruralistas e especialistas, ao mesmo tempo que o ministro é tido como alguém com “disposição”, sua figura ainda é vista com ressalvas, uma vez que está lotado em um governo que “joga contra”.
Um dos episódios mais emblemáticos foi o cancelamento da abertura da Agrishow — maior feira do setor — após Fávaro ter se sentido “desconvidado” ao saber que Jair Bolsonaro também participaria da solenidade. “Foi um mal-entendido”, justificou o então presidente da Agrishow, Francisco Matturro.
AGRONEGÓCIO REAGE – Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, o aceno do governo ao MST suscitou críticas de um setor que, até então, teria poucos motivos para se queixar. “Fizeram de tal maneira que parece feito por inimigos do governo, e não gente de dentro”, disse à Veja.
O ex-secretário de Política Econômica de Fernando Henrique Cardoso avalia que o “racha” existente hoje no agronegócio é fruto da oposição entre dois grupos — um mais “envolvido em si mesmo” e tradicionalmente bolsonarista, e outro que entende que precisa se relacionar com o governo de forma institucional.
“O que aconteceu na Agrishow é um espanto. Muitas lideranças agrícolas colocaram isso na frente do interesse do próprio setor”, diz, acrescentando que existe um racha.
DUAS VISÕES – Esse racha é entre a maior parte dos agricultores, que têm uma visão da agricultura fechada nela mesma, de que o mundo tem que comprar deles e que não tem como escapar disso.
“Isso, mais do que tudo, aparece na Aprosoja [Associação dos Produtores de Milho e Soja do Mato Grosso]. E há uma parte pequena dos agricultores, mais sofisticados, mais viajados, que entende que a agricultura brasileira só se desenvolveu por estar ligada ao resto do mundo. Esse segundo grupo sabe que tem que se relacionar com o governo, e que não é porque é de direita ou de esquerda”, assinala, acrescentando:
“Por isso, o que aconteceu na Agrishow é um espanto. No sentido de que muitas lideranças agrícolas colocaram isso na frente do interesse do próprio setor, que é de ter um relacionamento institucional. E isso está ligado ao fato de que boa parte dos produtores adotou o bolsonarismo”, diz Mendonça de Barros.
INVASÃO DE TERRAS – A possibilidade de invasão de terras é a razão maior, porque os governos anteriores, inclusive do próprio PT, deram muito suporte à agricultura, tanto que ela nunca parou de crescer. O ministro da Agricultura do Lula, o Roberto Rodrigues, ele é a maior liderança do século.
De fato, segmentos do agro e até o próprio ministro Carlos Fávaro têm verbalizado preocupações com o crescimento da participação do MST no governo. Esse aceno pode ter sido um tiro no pé?
“O governo manejou pessimamente a questão do MST. Tem um pedaço do governo que é o chamado PT raiz, que se recusa a aceitar que o Lula ganhou por conta de uma frente ampla que se formou em torno dele, e que, portanto, não pode ser um governo do PT. E esse grupo opera o dia inteiro como se só tivessem eles. E conseguiu criar um problema gigante, que vai atrapalhar muito o governo, e que vai ser difícil de consertar”, salienta.
COISA DE INIMIGO – “Fizeram de um jeito tal que parece que foi feito por inimigos do governo e não por gente de dentro. Por isso, merece crítica, sim. A invasão de terra é uma insegurança jurídica que não poderia ter, o agronegócio nesse sentido tem muito do que se queixar do governo. E num movimento que é limitado, porque o MST, queira ou não queira, é uma coisa pequena”, diz Mendonça de Barros, acrescentando:
“O MST é um grupo respeitável, porque o assentado é um produtor rural dedicado, mas é um grupo pequeno. E não se pode, por causa disso, destratar a produção agrícola. Não quer dizer que a liderança, que é de esquerda, não vá dar espaço, mas deixar essa coisa desandar em 90 dias é um erro imperdoável para um governo que quer ser transformador”.
E conclui: “Tem um pedaço do governo que se recusa a aceitar que o Lula ganhou por conta de uma frente ampla que se formou em torno dele, e que, portanto, não pode ser um governo do PT”.