Gravações revelam que o comandante do Exército não aceitou liderar o golpe
José Casado
Veja
Em meados de dezembro, dias antes da posse do novo governo, o então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, conhecia o plano bolsonarista e estava sob pressão para assumir a liderança de um golpe de estado. Foi o que revelaram assessores do governo Jair Bolsonaro em gravações telefônicas reportadas pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal.
O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, e o coronel (na reserva) Antonio Élcio Franco Filho, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde e assessor especial na Casa Civil, são personagens da investigação sobre a invasão do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.
RELAÇÕES PERIGOSAS – Eles deixaram o ex-comandante do Exército exposto nas conversas que mantiveram com Ailton Gonçalves Moraes Barros, retratado pela polícia como aliado de Bolsonaro, com laços no crime organizado de Duque de Caxias (RJ), na Baixada Fluminense.
Paraquedista, Barros era capitão e atuava no serviço de Inteligência quando foi expulso do Exército, em 2006, depois de acusado de negociar com traficantes da Rocinha, na zona sul do Rio, a devolução de armas roubadas num quartel da Força em São Cristóvão, na zona norte. As armas foram recuperadas.
Nas conversas relatadas pela polícia ao STF há indícios de envolvimento de Freire Gomes, então comandante do Exército, na trama golpista. Parte das gravações foram divulgadas nesta segunda-feira (8) pela repórter Daniela Lima, da CNN.
PRESSIONAR O COMANDANTE – “Tem que continuar pressionando o Freire Gomes para que ele faça o que tem que fazer” — disse Barros ao tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, na quinta-feira 15 de dezembro.
Dois dias antes, acontecera a diplomação de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, no TSE, que terminou com episódios de violência e vandalismo no centro de Brasília. Empresários relataram depois à Polícia Militar que alguns dos participantes haviam se hospedado na região hoteleira da capital, com diárias pagas.
Barros prosseguiu na conversa com Mauro Cid: “Nos decretos e nas portarias que tiverem que ser assinadas, tem que ser dada a missão ao comandante da brigada de operações especiais de Goiânia de prender o [juiz do STF] Alexandre de Moraes no domingo [18 de dezembro], na casa dele.” Não se conhecem as respostas do ajudante de ordens de Bolsonaro.
PRENDER MORAES – Barros também discutiu o planejamento de um golpe com Antonio Élcio Franco Filho, coronel na reserva desde 2019, assessor na Casa Civil. “É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes” — disse. “Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens.”
Élcio Franco Filho, como é conhecido, comentou sobre a posição do então comandante do Exército: “Essa enrolação vai continuar acontecendo. O Freire não vai [liderar]. Você não vai esperar dele que ele tome à frente nesse assunto, mas ele não pode impedir de receber a ordem [de mobilização para o golpe].”
Especulou sobre a reação do general Freire Gomes às pressões: “Ele tá com medo das consequências, pô. Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado? (…) Ah, deu tudo errado, o presidente foi preso e ele tá sendo chamado a responder (…) Depois que ele me deu a ordem por escrito, eu, comandante da Força, tive que cumprir. Essa é a defesa dele, entendeu?”
UM GOLPE CLARO – Evidências disponíveis sobre aqueles dias de dezembro convergem para uma insurreição estimulada, coordenada e financiada com intenção golpista. O objetivo era reverter o resultado eleitoral, impedir a posse de Lula e Alckmin e garantir a continuidade de Bolsonaro no poder.
Um rascunho de “decreto de estado de defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral” foi encontrado pela polícia entre documentos pessoais na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está preso.
Entre outras coisas, previa: junta de oito militares, designada pelo Ministério da Defesa, para intervenção na Justiça Eleitoral; quebra do “sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do TSE, durante o período que compreende o processo eleitoral até a diplomação do presidente e vice-presidente eleitos”; e, também, a prisão de juízes “por crime contra o Estado”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O artigo de José Casado e as revelações de Daniela Lima exibem a trama do golpe de uma forma inquestionável. Assim, é natural que o Comando do Exército, o Ministério da Defesa e o ex-comandante general Freire Gomes estejam se mantendo em silêncio. Mas apenas por enquanto, é claro, porque tudo tem a sua hora. (C.N.)