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quarta-feira, fevereiro 22, 2023

Governando com o fígado - Editorial




Lula parece se sentir credor do Brasil. Não se governa um país com sede de vingança.

O Diretório Nacional do PT aprovou há poucos dias uma resolução eivada de ressentimentos e mentiras, cujo único objetivo parece ser reescrever a história recente do País para lavar a alma da militância depois de uma série de reveses políticos e judiciais sofridos pelo partido. Quem lê aquele documento sai com a nítida impressão de que o Brasil tem uma dívida praticamente impagável com os petistas, sobretudo com a sra. Dilma Rousseff e com o presidente Lula da Silva.

Ora, todos sabemos que Lula da Silva é hoje muito maior do que o PT. Ao longo de mais de quatro décadas, o lulismo se firmou como um movimento político de expressão muito mais relevante que o petismo, se é que, de fato, existe essa distinção. É óbvio, portanto, que o teor da resolução aprovada pelo partido reflete exatamente o que sente e pensa o presidente da República hoje. E isso não é nada bom para o País.

No universo paralelo de Lula e do PT, Dilma Rousseff era a timoneira de um país que ia de vento em popa rumo ao inescapável encontro com seu futuro de paz social e prosperidade econômica até sofrer um “golpe”, em 2016, perpetrado pelas “elites”, pelos “inimigos do povo brasileiro” ou coisa que o valha. Já o partido, nessa visão mendaz da história, teria sido vítima de “falsas denúncias” de corrupção à época dos escândalos do mensalão e do petrolão.

Não é o caso, aqui, de contrapor com uma enormidade de evidências factuais as grosseiras lorotas difundidas pelo PT em sua resolução, até porque seria um trabalho inútil. Petistas fanáticos jamais aceitariam o fato, de resto incontestável, de que o impeachment de Dilma foi conduzido estritamente segundo a Constituição – salvo quando, em seu desfecho, preservou os direitos políticos de Dilma em vez de cassá-los, numa maracutaia típica daqueles tempos esquisitos. Os fiéis da seita lulopetista igualmente ofendem-se quando se demonstram os inúmeros crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro cometidos pela patota.

A questão de fundo é menos a resolução do PT – que, afinal, é uma organização privada e pode defender o que bem entender – e mais o que ela representa: os humores de Lula da Silva.

Seja pelo que se depreende do texto da resolução, seja pelos discursos do próprio presidente, que se recusa a descer do palanque mesmo tendo sido eleito para governar no interesse de todos os brasileiros, este terceiro mandato presidencial do petista, o quinto do PT, parece orientado a reparar as “injustiças” que teriam sido cometidas contra o partido e alguns de seus próceres, e não a reconstruir o País e o tecido social após a tragédia que foi o governo de Jair Bolsonaro.

Ao que parece, o triunfo eleitoral de Lula da Silva na difícil eleição presidencial passada, aos olhos dos petistas, tem o condão de autorizar o presidente a privilegiar os interesses particulares do PT e a trair a aspiração maior de muitas forças políticas que o apoiaram no segundo turno da eleição de 2022: a construção de uma frente ampla pela democracia não só para derrotar Bolsonaro, mas também para governar o País.

Se os ressentimentos de Lula da Silva e a sede de vingança que parece animar as lideranças petistas são genuínos ou nada mais que tática para manter a militância mobilizada a despeito de certas decisões impopulares que o governo logo terá de tomar, pouco importa. O fato é que não é assim que se governa um país. Menos ainda um país que precisa tanto se reconciliar e se reunir em torno de consensos mínimos como o Brasil.

O presidente Lula da Silva precisa ser magnânimo e reconhecer a existência de um centro liberal democrático que foi fundamental para sua vitória, por entender que era ele, e não Bolsonaro, a pessoa mais indicada para governar o Brasil pelos próximos quatro anos. Voltar as costas para essas forças políticas é, na prática, aniquilar as chances de reconstrução nacional já no nascedouro.

O rancor nunca foi um bom guia. Do presidente Lula da Silva se espera a grandeza de compreender que, nesta quadra da história do País, é justamente a diversidade que deve prevalecer, não o espírito de corpo.

O Estado de São Paulo

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