Direito, Ética e Moral são ciências que embora interligadas entre si, são distintas. Uma conduta pode ser moralmente reprovável e juridicamente permitida, o mesmo acontecendo em relação à ética.
Elso Fernandes Moreira Rosa (coladaweb) resume: “A ética, a moral e o direito estão interligados. A ética consiste num conjunto de princípios morais, a moral consiste em conjunto de regras, só que a moral atua de uma forma interna, ou seja, só tem um alto valor dentro das pessoas, ela se diferencia de uma pessoa para outra e o direito tem vários significados, ele pode ser aquilo que é justo perante a lei e a justiça, aquilo que você pode reclamar que é seu.” Direito: o que é justo e conforme com a lei e a justiça.
No próximo ano acontecerão às eleições municipais e o tema “Ficha Limpa” ocupará a mídia e fóruns eleitorais com toda força e histeria como tem sido tratada. É o que se espera.
A chamada “Lei da Ficha Limpa”, Lei Complementar nº. 135/2010, de iniciativa popular capitaneada pela CNBB, de cunho eminentemente moralista, alterou a redação da LC 64/90 – Lei das Inelegibilidades -, tornando inelegível aquele que tiver contra si decisão colegiada de um Tribunal Inferior por prática de determinado crime ou ato de improbidade administrativa (grosso modo).
Trocando em miúdos.
Uma autoridade pública é condenada em primeira instância (pelo juiz) por crime contra a Administração Pública ou ato de Improbidade Administrativa. Como a Constituição garante a todos o amplo direito de defesa e os recursos inerentes, art. 5º, LV, ela recorre à instância imediatamente superior, o Tribunal de Justiça do Estado, Tribunal Regional Federal ou Tribunal Regional Eleitoral, conforme o caso. Pela letra da lei, se a decisão do juiz for mantida pelo Tribunal julgador do recurso, a pessoa ficará inelegível e não poderá concorrer a cargos políticos pelos próximos oito anos, independentemente do seu direito de ainda recorrer aos Tribunais Superiores em Brasília.
Tão logo promulgada a Lei da Ficha Limpa no ano de 2010, os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral passaram a aplicá-la naquele mesmo ano, recebendo elogios da mídia e segmentos da sociedade, esta, especialmente da classe média, entidades aglutinadoras, e as associações de juízes.
Em manifestações anteriores na imprensa, e especialmente em sites jurídicos, me posicionei contrário a Lei da Ficha Limpa, não por pretender que se mantenha a impunidade dos agentes públicos, porém, o fiz, por entender que ela como postada, diferentemente do que deveria acontecer, é maléfica para o cidadão, ofende as garantias constitucionais e deturpa o Estado de Direito.
A Lei da Ficha Limpa como promulgada já trazia e trás consigo flagrantes inconstitucionalides que são intransponíveis. A primeira já foi afastada pelo STF que entendeu que sendo ela do ano de 2010, não poderia ser aplicada nas eleições daquele mesmo ano por força do art. 16 da Constituição Federal que prevê que a lei eleitoral somente terá vigência depois de decorrido um ano de sua publicação (RE 633.703-MG – Min. Celso de Melo).
A segunda diz respeito ao principio da presunção da inocência, garantia do art. 5º, LVII, da mesma Constituição que trata: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Por outro lado, a CF no art. 15 diz que “é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.”
A Lei Complementar nº. 135/2010 ao considerar inelegível quem tenha sido condenado por órgão colegiado de um Tribunal inferior, criou uma espécie de tutela antecipada da coisa julgada, o que contraria o princípio da presunção da inocência, já que o trânsito em julgado da ação penal condenatória somente ocorre depois de exauridos os recursos perante os Tribunais Superiores.
O fato de o gestor público demonstrar atos incompatíveis com a probidade e de desvalor ético, não autoriza retirar do cidadão comum a garantia constitucional do princípio da presunção da inocência, o que acontecendo, o colocaria a mercê de permanente insegurança jurídica.
Na carona da Lei da Ficha Limpa o Min. Cesar Pelluso, Presidente do STF, resolveu apresentar a denominada PEC dos Recursos. Pelo Projeto de Emenda Constitucional, PEC nº. 15/2011, considera-se como coisa julgada a decisão de um simples Tribunal Inferior, apta a executar uma sentença condenatória, sem apreciação posterior dos Tribunais Superiores. Na prática, a PEC extingue os recursos “Especial e o Extraordinário, da competência do STJ e do STF, na ordem respectiva, lhe outorgando natureza meramente rescisória, já que a decisão do Tribunal Inferior poderá ser executada em sua plenitude.
Tanto a Lei da Ficha Limpa quanto a PEC dos Recursos atentam contra os princípios constitucionais do art. 5º, LVII, e 15, III, da Constituição Federal, sendo ambos, portanto, flagrantemente inconstitucionais.
Com base na Constituição Federal, entendo que a Lei da Ficha Limpa que antecipa a coisa julgada não receberá validade da maioria do STF, de forma que o candidato a cargo eleito condenado ainda em primeira instância e que tiver recorrido ao STJ ou ao STF poderá vir a se candidatar.
É de se exigir dos ocupantes de cargos eletivos uma vida limpa, sem máculas, sem desvio de conduta ética, cujo controle poderá ser feito pelo próprio cidadão-eleitor quando da escolha de seus representantes. O problema do Brasil é que condutas-aéticas são vistas não somente pelos políticos, como também pelo próprio cidadão e para isso basta acessar as páginas policiais dos órgãos de informação. Todo mundo quer tirar vantagem em qualquer situação sem se importar com os meios empregados.
A hipocrisia de antecipar a coisa julgada com o simples julgamento de um Tribunal Inferior retira do cidadão o julgamento justo e os princípios do devido processo legal e da presunção da inocência que são conquistas da humanidade, lhe impondo permanente estado de insegurança jurídica.
Para tornar o político corrupto inelegível não é preciso suprimir as garantias constitucionais do cidadão. Basta o Poder Judiciário demonstrar eficiência, compromisso com a Nação e proferir suas decisões dentro do princípio da razoável duração do processo, respeitadas as garantias processuais. Comprovada a responsabilidade penal do agente político ou não infrator, viria a punição e a inelegibilidade decorrente. Isso será o bastante.
FRASE DA SEMANA: "A igualdade perante a lei consiste na justiça relativa ao mérito e ao desmérito de cada indivíduo." Gonçalves de Magalhães
Paulo Afonso, 06 de agosto de 2011.
Fernando Montalvão.
Titular do Escrit. Montalvão Advogados Associados.