Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Com um mês de atraso, precisamente, a Câmara dos Deputados realiza quarta-feira sessão solene pelos vinte anos da promulgação da Constituição. Não haverá que criticar a defasagem, a culpa vai para as eleições municipais, para questões de agenda ou de memória. Importa mesmo é o atraso continuado dos representantes do povo que, desde 1988, deixaram sem regulamentação perto de cem artigos de nossa lei fundamental.
Estamos na sexta Legislatura desde que o dr. Ulysses anunciou a carta de alforria do povo brasileiro e tem faltado coragem ao Congresso, até hoje, para enfrentar uns tantos nós institucionais responsáveis por vivermos uma espécie de meia democracia.
As origens desse impasse repousam na própria Assembléia Nacional Constituinte, que entrava pelo segundo ano de trabalhos envolvida em séria divisão. Acima e além dos partidos, dois grupos se desentendiam desde o primeiro dia.
De um lado os conservadores, auto-intitulados de centro democrático, de outro os setores mais à esquerda, chamados de progressistas. Nenhum dispunha de maioria em boa parte das definições cruciais. A solução, encontrada pelo dr.
Ulysses, foi contrariar a lógica do Direito Constitucional e deixar para a lei ordinária aquilo que obrigatoriamente precisaria ser estabelecido na Constituição. Era adotar essa distorção ou assistir os debates estenderem-se por décadas. Sessenta emendas foram votadas de lá para cá, umas lamentáveis, outras necessárias, a maioria desimportante. Mesmo assim, os grandes nós continuam presentes.
Vale referir apenas um deles, exposto no Título VIII, da Ordem Social, Capítulo V, da Comunicação Social, Artigo 220, Parágrafo 3, Número II: "Compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o respeito aos valores éticos e sociais".
Censura, nunca mais, estabeleceu a Constituição em diversos artigos, deduzindo-se que necessitariam ser aplicados depois do desrespeito aos valores éticos e sociais os meios legais capazes de garantir à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem do lixo radiofônico e televisivo.
Pois bem. Até hoje deputados e senadores não ousaram buscar esses meios legais, que poderiam ser altas multas pecuniárias, pena de detenção para os responsáveis, inclusive os diretores e os proprietários, e até suspensão e cassação das concessões. Por que o Legislativo passa ao largo de suas obrigações? Porque Suas Excelências temem a represália das emissoras de rádio e televisão, com ênfase para as grandes redes. Perderiam qualquer eleição caso fossem apenas ignorados, quanto mais se sofressem campanhas sistemáticas de desmoralização.
Até agora ninguém meteu a mão no vespeiro, muito menos os governos que se sucederam. Nem Sarney, nem Collor, nem Itamar, muito menos Fernando Henrique e Luiz Inácio da Silva.
Por conta disso a sociedade sofre horrores. Nem é preciso dar exemplos. Baixarias incontáveis são vistas todos os dias nas telinhas e ouvidas pelos microfones. Da obscenidade ao estímulo à violência e ao crime, da desinformação ao embuste publicitário, quanta coisa desrespeita os valores éticos e sociais?
É claro que muitas emissoras de rádio e televisão comportam-se eticamente e cumprem suas obrigações. Devem ser elogiadas. Mas que faltam meios legais para evitar e impedir os excessos de outras, nem se duvida. Quem se anima a desatar esse nó constitucional, de preferência sem a espada de Alexandre?
A Lei do Piso
Será criada esta semana no Congresso a Frente Parlamentar pela Lei do Piso, destinada a ver cumprida o mais breve possível a lei já aprovada que estabeleceu o piso salarial para os professores de todo o País. Porque, diz um de seus líderes, o senador Cristovam Buarque, a lei vem sendo solenemente desprezada.
Para não desagradar governadores, prefeitos e até o governo federal, inúmeros parlamentares mantêm-se de braços cruzados. Gente de todos os partidos, aliás. A hora exige dos presidentes do Senado, Garibaldi Alves, e da Câmara, Arlindo Chinaglia, que façam valer o texto legal.
Briga de caranguejos
Perguntaram ao governador José Serra se concordava com o governador Aécio Neves, que sugeriu a realização de uma prévia junto às bases do PSDB para a escolha do candidato do partido à presidência da República. Abrindo amplo sorriso, ele respondeu estar de acordo com tudo o que seu colega mineiro propõe. É bom o Aecinho tomar cuidado, porque serão os tucanos paulistas a definir as regras da consulta...
E o dinheiro, de onde vem?
A dúvida continua quanto ao total dos recursos: uns falam em trinta, outros em sessenta bilhões já disponibilizados pelo governo para enfrentar a crise econômica, ajudando bancos e empresas em dificuldades. A pergunta que se faz é de onde saiu esse dinheiro, quando falta muito menos para impulsionar as obras do PAC, agora devagar, quase parando. Se foi de nossas reservas lá fora, é perigoso. Mas se foi do orçamento, é fatal. Pode até mesmo atingir a popularidade do presidente Lula.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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