BRASÍLIA - Ao prestar depoimento ontem na CPI dos Grampos, na Câmara, o agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Márcio Seltz disse que o diretor-geral afastado do órgão Paulo Lacerda teve acesso ao conteúdo de parte dos grampos telefônicos realizados na Operação Satiagraha. Segundo versão do analista da Abin, ele entregou a Lacerda, inclusive, cópia de áudios captados por escutas telefônicas de alguns dos investigados pela Polícia Federal (PF).
A reunião, relatou Seltz aos deputados, teria ocorrido em junho, e também contou com a presença do então diretor-adjunto, José Milton Campana. "(Os áudios) falavam a respeito da imprensa. Entreguei cópia do arquivo a ele (Lacerda)", afirmou o agente.
Por meio da assessoria de imprensa da Abin, Lacerda negou ter recebido cópia de áudios e transcrições. O diretor-geral afastado confirmou a reunião com Seltz e disse que o encontro era para "orientação". Segundo a Abin, Setlz levou um relatório "de fontes abertas" debaixo do braço, mas que não chegou a ser visto por Lacerda.
Em depoimento à CPI, em agosto, Lacerda negou ter conhecimento de que a PF realizou grampos durante a Satiagraha. Seltz, que declarou ter participado da "pré-Satiagraha" com outros três agentes da Abin, afirmou que foi convocado para trabalhar com o então presidente do inquérito, delegado Protógenes Queiroz, por Campana. "Àquela altura nem tinha noção do trabalho que seria feito. A gente parte da premissa que missão dada é missão cumprida", disse na CPI.
Apesar de a convocação não ter sido formalizada por escrito, Seltz disse entender que o chamado foi formal. "Recebi uma ordem direta do segundo na hierarquia. Na administração pública nem todas as ordens são por escrito. Se fossem, a administração engessaria."
Seltz revelou ainda ter recebido de Protógenes um pen-drive com os áudios dos investigados nos quais eles "comentavam a respeito da imprensa" e de matérias publicadas sobre a BrasilTelecom.
Para o presidente da CPI dos Grampos, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), as afirmações do agente desmontam versão de Lacerda. "Não tenho dúvidas de que o Paulo Lacerda foi cabalmente desmentido", afirmou o deputado. Itagiba e deputados da oposição, como Gustavo Fruet (PSDB-PR), defendem o indiciamento de Lacerda por ele ter faltado com a verdade.
Ao relatar sua participação na Satiagraha, Seltz dividiu suas atribuições em dois momentos diferentes. Primeiro, disse, fazia triagem de e-mail dos investigados - para separar os caráter pessoal daqueles que interessavam às investigações. "Era atribuição simples: era um rol bastante grande de e-mails, minha função era identificar o que era de conteúdo pessoal, que deveria ser descartado, daquilo que seria de interesse do trabalho. Estes deveriam ser mantidos na pasta eletrônica para posterior análise", afirmou.
Em uma segunda etapa, o agente afirmou que sua tarefa era analisar reportagens publicadas pela imprensa sobre a Brasil Telecom. Foi neste período que Seltz contou ter recebido o pen-drive com dados sigilosos de Protógenes. "A instrução que recebi era de analisar as notícias no sentido de identificar as que fossem favoráveis, neutras e contrárias, uma espécie de interpretação de texto. O delegado (Protógenes) queria que eu comparasse o que eles (investigados) diziam (nos áudios) com o que era publicado (pela imprensa)", relatou.
Seltz disse ainda não ter conhecimento da existência de equipamentos que façam escutas pela Abin. E afirmou que as colaborações entre a PF e a Abin são usuais, inclusive nos dias de hoje. "As colaborações entre PF e Abin são usuais. Mas nunca tinha visto desta maneira. A colaboração entre a PF e a Abin era quase que cotidiana, e hoje ela continua ocorrendo. São órgãos com áreas muito afins."
Questionado por Itagiba se entendia que os "fins justificam os meios", Seltz afirmou que não. "Se tudo estivesse ok, não teria motivo para eu estar aqui, para haver dois inquéritos policiais e uma sindicância."
STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello concedeu parcialmente liminar ao pedido do agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) José Ribamar Guimarães, que deporia ontem na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Grampos, na Câmara.
Pela decisão, Guimarães podia ser acompanhado por um advogado e não precisaria falar sobre assuntos de segurança nacional. O ministro ressaltou, no entanto, que o depoente teria de falar sobre operações policiais.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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