O efeito teflon exige que as pessoas atropelem ou relativizem princípios e valores que elas próprias afirmam defender a qualquer custo.
Por Diogo Schelp (foto)
Para explicar aos mais jovens, teflon é um material resistente (cada vez menos) usado para revestir algumas panelas e frigideiras, por ter a propriedade de evitar que a comida grude nelas. Em política, usa-se a expressão "efeito teflon" para designar o fenômeno de líderes carismáticos que mantêm a fidelidade e a admiração de seus seguidores mesmo diante das piores revelações. Mesmo as notícias mais demolidoras e os fatos desabonadores mais irrefutáveis não "colam" nele.
Lula exibiu seu efeito teflon ao final do seu segundo mandato, por exemplo, que ele encerrou com mais de 80% de aprovação, apesar dos diversos escândalos que marcaram seu governo, em especial o caso do mensalão. E mesmo depois, quando foi preso no âmbito da Operação Lava Jato, e continuava contando com a defesa fervorosa de milhares de apoiadores. O efeito teflon entrou em ação mais uma vez no ano passado, quando Lula foi eleito pela terceira vez apesar do passado de ex-presidiário e dos fatos inegáveis envolvendo corrupção pesada na Petrobras nos governos do PT. Alguns eleitores resolveram deixar isso de lado com o firme propósito de tirar Jair Bolsonaro da linha da reeleição. Outros seguiam acreditando genuinamente que Lula sempre foi inocente, um perseguido político.
Jair Bolsonaro também se beneficia do efeito teflon. Ao longo de todo seu governo, mesmo com os altos e baixos de aprovação popular, uma parcela dos brasileiros, girando em torno de 20% segundo as pesquisas, manteve firme defesa do presidente — e continua "fechada" com ele fora do Palácio do Planalto.
Para esse um quinto da população, nada do que o governo fez de errado ou deixou de fazer de certo em relação à pandemia de Covid-19 colava na imagem do presidente. Quando Bolsonaro alimentava a crise entre os Poderes da República, isso não era entendido como um arroubo autoritário, mas como uma legítima reação à "ditadura do STF" e outras desculpas do tipo. Quando ele manteve um conivente silêncio em relação aos pedidos de "intervenção federal", eufemismo para golpe de Estado, feitos por apoiadores depois da derrota para Lula nas eleições, muitos entenderam que algo estava sendo preparado por ele nos bastidores — e, independente do que fosse, estaria justificado pelo propósito de "livrar o país do comunismo".
O efeito teflon exige, portanto, que as pessoas atropelem ou relativizem princípios e valores que elas próprias afirmam defender a qualquer custo, como democracia, liberdade, tolerância e honestidade, para eximir seu político de estimação de culpa ou responsabilidade. A saída é encontrar fatores externos que equacionem a contradição de defender o indefensável, de servir como o material antiaderente que vai proteger o líder político de ter sua imagem manchada. Em psicologia, chama-se a isso de dissonância cognitiva.
Mais recentemente, quando vieram à tona as fortes suspeitas de que Bolsonaro tentou incorporar ao seu patrimônio pessoal as joias milionárias presenteadas pelo governo saudita (que, por lei, deveriam ficar com o acervo da Presidência), o efeito teflon mais uma vez foi acionado, seja negando as evidências de que o ex-presidente tentou burlar as regras, seja minimizando o fato em si, como se não houvesse nada de grave.
Com o escândalo das fraudes nos certificados de vacinação está ocorrendo a mesma coisa. De repente, para muitos apoiadores, parece não haver nada de errado em inserir dados falsos no sistema do Ministério de Saúde para tirar um suposto proveito pessoal e burlar regras internas e de outros países. Ou então, de repente, assume-se como óbvia verdade que o presidente não estava sabendo de nada, que alguém de sua absoluta confiança fez algo para supostamente beneficiá-lo à revelia da sua vontade.
O problema do efeito teflon é que as pessoas que se prestam a servir de material antiaderente para a imagem de políticos vão sendo pouco a pouco impregnadas pela sujeira de tudo aquilo que elas afirmam rechaçar e combater, como a corrupção e a imoralidade.
Não é um caminho sem volta. Basta um pouco de autocrítica e substituir as paixões políticas pela racionalidade.
Gazeta do Povo (PR)